Há mais de um ano iniciamos esta série de matérias com os nossos ex-alunos e, para tanto, temos um roteiro com algumas perguntas básicas. Ao mesmo tempo, procuramos deixá-los livres para nos contar o que desejarem. Hoje, em um formato um pouco diferente, vamos conhecer a história da ex-aluna do mestrado no Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação da UFMG, Thaís Damásio, que frequentou durante alguns anos o Laboratório de Compiladores do Departamento de Ciência da Computação. Ela nos descreveu em detalhes, de uma forma extremamente inspiradora e emocionante, como foi a sua trajetória desde o final do Ensino Médio até os dias atuais. Por isto, ao lermos e sentirmos a emoção das suas palavras, optamos por deixar que ela mesma conte para você. Vamos apenas inverter uma questão: logo no início você lerá dois depoimentos importantes sobre a Thaís e, posteriormente, saberá toda a sua história. Também colocamos o título, mas achamos que irão compreender o porquê. Boa leitura, temos a certeza de que ao final se sentirão também inspirados.
Depoimento do professor Fernando Pereira:
Thaís foi uma excelente aluna. Foi um privilégio poder ter trabalhado com ela. Ela demonstrou sempre muita competência, tenacidade e criatividade também em seu trabalho, há que se dizer! Thaís conseguiu encontrar soluções bastante criativas para problemas de pesquisa que, em minha opinião, eram bem difíceis. Algo que mais me chamou a atenção, durante o mestrado de Thaís, foi o tanto que ela cresceu enquanto pesquisadora. Ela não somente aprendia as técnicas ensinadas aqui na UFMG, seja em algoritmos ou estatística, mas também fazia muito bom uso dessas técnicas em sua pesquisa. E, além disso tudo, ela possui excelente espírito de grupo. Ela buscava unir os alunos e alunas do Laboratório de Compiladores: estava sempre presente em nossos passeios e encontros. Era notável que todos os seus colegas tinham muito carinho por ela. Sem dúvida, ficaremos com muitas saudades, agora que ela já não está conosco todos os dias.
Depoimento do amigo do Laboratório de Compiladores, estudante de doutorado, Michael Canesche:
Durante a estadia da Thaís no Laboratório de Compiladores, ela apresentava diversas qualidades de trabalho, nos quais é verdadeiramente impressionante, pois ela se empenha e dedica cada momento ao seu projeto. Tive o prazer de acompanhá-la durante os dois anos de mestrado dela e ela se tornou uma amiga preciosa em minha vida. Mas nosso relacionamento transcende a amizade, ela é quase uma irmã que não tive na minha vida.
Passei por diversos momentos com ela na UFMG, às vezes uns apertos, outros indo para as “jantinhas” do bandejão. E não podemos esquecer de passar vergonha em fotos espontâneas, mas sempre com o bom e velho humor no dia a dia. Uma coisa que é uma marca registrada da Thaís é o seu sorriso contagiante.
Gratidão e inspiração definem ex-aluna do DCC
“A vida é trem bala parceiro e a gente é só passageiro prestes a partir“, disse Ana Vilela em uma de suas músicas mais famosas. Essa frase representa muito uma parte do que sou. Tenho em mim o desejo de querer aproveitar cada momento na vida que é como um trem bala, e também a gratidão e o carinho pelos passageiros que tenho encontrado ao longo dessa viagem. Eu diria que as pessoas são com certeza uma das coisas que fazem mais diferença em nossa vida e eu posso provar contando um pouquinho da minha história.
Minhas aventuras começaram principalmente no último ano do meu ensino médio, em 2015. O último ano é, com certeza, um momento que gera uma enorme ansiedade em relação ao que vem depois. Eu sempre amei estudar e fui aquela aluna que gostava de sentar na primeira carteira e mergulhar no mundo que os professores nos apresentavam. No entanto, a ideia de fazer faculdade não era algo certo para mim após o ensino médio, pois algumas coisas dificultaram minha entrada na faculdade:
- Meus pais não tinham dinheiro nem para pagar a passagem;
- Sempre estudei em escola pública, e existe uma grande disparidade neste modelo de ensino em relação a outras instituições;
- Eu não tinha informação suficiente sobre possíveis programas do governo de incentivo a jovens de baixa renda. Só fui ter acesso à internet aos 18 anos, o que dificultou o conhecimento de diversos tipos de programas – eu nem sequer sabia que as universidades federais não tinham mensalidade;
- A ideia de fazer faculdade não era algo que minha família enxergava como uma possibilidade real para nós.
Me incomodava com isso, porque amava estudar e, mesmo não tendo uma visão clara das possibilidades que poderiam ser alcançadas por meio do estudo – devido a minha falta de informação -, sabia que era o que amava fazer e que seria, pelo menos, a realização de um sonho.
Meu último ano de Ensino Médio foi bastante conturbado, pois enfrentei alguns problemas pessoais que tornaram ainda mais difícil o desafio de dar continuidade aos meus estudos. Após concluir o Ensino Médio, me deparei com um vazio: não tinha um emprego, não tinha um lugar para prosseguir com meus estudos e nem dinheiro para isso. Essa situação me indignou profundamente, mas não desisti. Foi nesse momento que conheci uma das primeiras grandes influenciadoras na minha vida, a Daniele. Foi na cozinha da casa dela que comecei meu primeiro emprego, fazendo docinhos para festas infantis. Não ia todos os dias, mas sim sempre que havia uma grande demanda que ela não conseguia lidar sozinha.
O grande marco dessa parte da minha história foi em uma das muitas conversas com a Dani, na qual compartilhei com ela meus sonhos e os obstáculos que enfrentava. Foi então que ela me sugeriu vender bombons como forma de arrecadar dinheiro, pois ela mesma havia feito isso quando era mais jovem. Em 2016, a Dani me deu duas caixinhas de isopor e me ensinou a fazer bombons de chocolate para que eu pudesse começar a vender. Assim, me vi vendendo bombons no bairro Icaivera, na esperança de juntar dinheiro para poder investir nos meus estudos. Muitos amigos me apoiaram nesse processo – Gabriela, Marta, Vianney e muitos outros.
Em paralelo a esses acontecimentos, estava ansiosa para colocar em prática meu plano de entrar no Senai, pois lá existe um programa de jovem aprendiz que nos possibilita estudar por cerca de 1-2 anos e ser apadrinhado por uma empresa com uma bolsa. Sentia que era lá que deveria começar. Lembro exatamente do momento em que bati na porta de cada um dos meus amigos, convidando-os a estudar para a prova e ingressamos juntos. Uma das minhas amigas, Luana, me acompanhou nessa aventura, e começamos a estudar juntas. Então, no meio de 2016, recebi meu primeiro “sim”, que nunca vou esquecer.
Entrei no Senai para cursar processos administrativos. No entanto, nem tudo são flores, haha. Problemas pessoais me impediram de conseguir o apadrinhamento por uma empresa, o que significava que ficaria sem uma bolsa que auxiliasse nos custos, como a passagem e outros gastos. O desespero bateu, mas decidi continuar com o que estava fazendo: vendendo bombons para pagar minha passagem. Durante os primeiros seis meses no Senai, minhas condições financeiras foram bastante limitadas, mas com muito esforço consegui pagar minha passagem com o dinheiro proveniente das vendas dos bombons.
Durante esses seis meses, estava muito empenhada em estudar para o Enem. Minha avó, dona Odete, me apoiou muito nesse processo também, pois eu ia à casa dela nos finais de semana para utilizar a internet e estudar os conteúdos necessários. Além disso, uma pessoa muito especial do Senai me acompanhou durante esses seis meses sem apadrinhamento: Davi Chain. Ele esteve sempre em contato comigo, prometendo encontrar uma ótima empresa. E ele não mentiu, haha! Consegui, finalmente, meu primeiro emprego na Nemak do Brasil. Foi o meu primeiro salário e meu primeiro emprego. Nunca vou esquecer da Sheila, Adelim, Carlos, Wanderley, Charles, Jaque e tantas outras pessoas que estiveram lá, acreditando em mim e me impulsionando. Muito obrigada!
No primeiro mês de 2017, nunca me senti tão feliz: recebi o “sim” da Nemak – meu primeiro emprego. E mais uma coisa aconteceu… Eu consegui! Ganhei uma bolsa integral para estudar na PUC Minas. Fui a primeira da minha família a ingressar na faculdade. Assim começa uma nova fase na minha jornada: a computação, uma das minhas paixões. Nessa nova etapa, deixei de vender bombons, pois tinha a bolsa da Nemak e foquei no meu estágio como jovem aprendiz e na minha graduação em Sistemas de Informação.
Quando meu contrato na Nemak estava prestes a terminar, uma das pessoas mais importantes da minha jornada me ajudou a tomar uma grande decisão que mudaria minha vida. Meu ex-orientador, Luís Fabrício Wanderley Góes, me direcionou na escolha de dar monitorias e participar de Iniciação Científica. Essas escolhas me fizeram mergulhar profundamente no universo acadêmico e me apaixonar cada vez mais pelo que esse universo tinha a oferecer. Amigos como Jess, Luiz, Vinicius e seus pais também me apoiaram muito nessa trajetória. Por isso, gosto tanto de enfatizar o papel das pessoas na escrita da história de nossas vidas. Eu poderia render muito sobre isso haha….
Minhas pesquisas foram na área de compiladores e isso me levou a tomar uma decisão importante: fazer a famosa disciplina DCC888 como disciplina isolada na UFMG. Lá tive a oportunidade de conhecer o professor Fernando Magno Quintão Pereira, e inclusive o convidamos para participar de uma de nossas pesquisas. Foi nesse momento que comecei a trilhar o caminho para o mestrado na UFMG, onde ingressei em 2021.
Não tenho palavras para descrever como foi entrar no mestrado e ter sido aceita pelo professor Fernando como sua orientanda. O admiro muito como profissional e como pessoa, assim como admiro o laboratório sensacional do qual ele fez parte da construção. Sou uma grande fã do Laboratório de Compiladores – onde trabalhei no mestrado. Palavras jamais serão capazes de descrever o que esse laboratório e as pessoas que passaram/estão por lá são e significam em minha vida. Por isso, visto a camisa do laboratório haha (e é literalmente, pois tenho camisas, canecas, chaveiros, pelúcia e etc).
A graduação foi uma mudança de vida muito significativa para mim. Criou perspectivas e abriu caminhos que jamais pensei que alcançaria. No mestrado, descobri possibilidades ainda maiores, que ampliaram meu amor pelos estudos e minha gratidão pela existência da profissão de professor. Desde muito pequena, sempre admirei profundamente essa profissão. Os professores são verdadeiros heróis que têm o poder de mudar vidas. É algo lindo demais, e posso dizer que essa foi uma das minhas maiores inspirações ao longo de todo o processo que percorri para chegar até aqui. Foi realmente uma jornada intensa, e sinto muito orgulho dela. Um dia ainda serei professora!
Durante minha estadia no Laboratório de Compiladores do DCC/UFMG, tive a oportunidade de conhecer pessoas incríveis e que têm um repertório maravilhoso. Fiz amizades maravilhosas, que me apoiaram ao longo do meu percurso, como o Michael, o Caio, o Everaldo, o Breno, o Guilherme, o João, a Angélica, a Cissa e tantas outras pessoas (são muitos nomes.. haha). Agradeço de coração a todos vocês!
Estar na UFMG foi uma das maiores conquistas da minha vida e me proporcionou alcançar coisas que jamais sonhei. Todo o ambiente, os professores, os alunos… não se trata apenas de ser nota máxima na pós-graduação em computação, mas sim das pessoas que constroem aquele lugar. Pesquisa de ponta, pessoas que entregam amor ao trabalho delas… isso realmente inspira demais!
Não é por acaso que tantos alunos do Laboratório de Compiladores estão espalhados pelo mundo, ocupando cargos em grandes empresas e instituições. Em 2023, concluí meu mestrado e sinto-me honrada por fazer parte desse grupo, pois tive a oportunidade de estagiar no Google no ano passado e agora estou de volta como contratada. A Thais de 2016, que vendia bombons, nem sequer conseguia sonhar algo tão grandioso naquela época! E uma das coisas que me orgulha demais é saber que o primeiro passo do Google para o Brasil foi dado graças a UFMG, no Departamento de Ciência da Computação.
Definitivamente a UFMG nos permite sonhar e realizar nossos sonhos. Tenho uma imensa gratidão e desejo poder ajudar outras pessoas também com base nas minhas histórias, conquistas e aprendizados. Agradeço aos professores Lesandro, Maria Inês, Fabrício, Ivre, Agnaldo, Fernando, Mário Alvim, Renato Assunção, Vinícius, e tantos outros que me inspiraram. Saibam que sou profundamente grata, e acredito que muitas outras pessoas também o são. Espero poder dar continuidade a esse legado de impactar vidas de forma positiva!
Gostaria de ressaltar, ainda, que no Laboratório de Compiladores não vivemos apenas de linhas de código. Arrisco-me a dizer que temos o melhor café da UFMG, graças ao Caio, e os trilheiros mais corajosos e simpáticos (hehe). Nossa rotina pode ser um cafezinho, colocar o LLVM para compilar e bora partir para uma trilha que dá tempo (hahahaha).
Enfim, são muitas pessoas pelas quais sou grata e gostaria de mencionar aqui. Peço perdão àqueles que não mencionei pelo nome, mas saibam que vocês foram e são muito especiais para mim e fazem parte dessas conquistas.
Meu ex-orientador Fabrício, na PUC, costumava dizer: “o caminho está aí”. O objetivo era nos incentivar a perseguir nossos sonhos. Hoje, arrisco-me a completar essa frase, dizendo que o caminho está aí e nem sempre é fácil percorrê-lo, mas já se sinta vitorioso só por estar tentando!
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