Tento ser o professor que gostava de ter quando era aluno, acredito que a pesquisa e o ensino podem nos trazer um futuro melhor, afirma professor do DCC/UFMG

Desde criança, o professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (DCC/UFMG), Mário Sérgio Alvim, era fascinado por ciência e sonhava em ser um pesquisador e trabalhar de jaleco em algum laboratório. Nessa época, o maior interesse era ser físico, com foco em astronomia, cosmologia, ou física de partículas. Entretanto, no Ensino Médio, Mário Sérgio fez o curso técnico em Informática Industrial no CEFET-MG e acabou tendo contato com computação como campo de trabalho pela primeira vez. Como parte do curso, o hoje professor fez estágio em uma grande empresa e, em paralelo, desenvolveu junto com um grupo de amigos um sistema para uma feira de ciências, o que acabou levando-os a criar uma startup. Assim, ao ter que decidir para que curso iria se inscrever na graduação, optou pela Ciência da Computação. 

De acordo com o professor, enquanto estudante de graduação, o maior desafio foi se manter financeiramente na universidade até o fim dos estudos. “Tive inúmeros incentivos durante a graduação e o mestrado: a UFMG me deu acesso a muito conhecimento, a iniciações científicas que abriram um novo mundo de possibilidades para mim, além de a colegas e a professores que me estimularam intelectualmente e uma orientação de mestrado excepcional. Foi um período transformador na minha formação, de aprendizado tanto acadêmico quanto pessoal. Acho que o que mais me marcou foi que nessa época comecei a me ver como adulto”, contou. Já como estudante de doutorado fora do país, na França, o maior desafio foi a saudade inicial da família e dos amigos no Brasil. “Entretanto, após alguns meses iniciais de adaptação, o doutorado fora foi um dos melhores períodos da minha vida. Cresci muito profissionalmente, fiz amigos inestimáveis e acabei encontrando a pessoa com quem casei! (risos)”, completou.

A carreira de pesquisador/professor sempre atraiu Mário Sérgio, já que gosta tanto de realizar pesquisa quanto de ensinar. Apesar disso, o professor conta não saber se a escolha foi consciente. “Acho que na verdade meu compasso interno foi de alguma forma naturalmente me levando a isso. Com graduação e mestrado em Ciência da Computação pelo DCC/UFMG e doutorado também em Ciência da Computação pela École Polytechnique, na França, e pós-doutorado pela University of Pennsylvania, nos Estados Unidos, Mário Sérgio é parte do Departamento desde 2001, inicialmente como estudante, e a partir de 2013 como pesquisador/professor. Com um currículo vasto e robusto, o docente tem alguns feitos de que se orgulha, como em 2000, ainda como aluno do curso no CEFET-MG, ter participado com um grupo de colegas de um projeto para a XVIII META (Mostra Específica de Trabalhos e Aplicações). “O software que produzimos, chamado de BUBUSca, conquistou o primeiro lugar na categoria software. Aquele foi o primeiro sistema automático em Belo Horizonte em que você poderia dizer onde estava e onde queria ir e recebia como resposta que ônibus pegar. Na época algumas pessoas na BHTrans disseram que esse software era impossível de ser criado, mas sem sabermos que era impossível, fomos lá e fizemos (risos)!” Além disso, em 2012, sua tese de doutorado foi selecionada como a melhor representante da área de Ciência da Computação para a final do prêmio geral Prix de Thèse Paris Tech, na França. Em 2015, já como professor do DCC/UFMG, um trabalho executado e publicado por Mário Sérgio em conjunto com colaboradores próximos recebeu o primeiro lugar no NSA 3rd Annual Best Scientific Cybersecurity Paper Competition, uma prêmio oferecido pela Agência de Segurança Nacional Norte-Americana para o melhor trabalho científico em cibersegurança do mundo em cada ano. Em 2020, ele teve o primeiro livro-texto em Fluxo de Informação Quantitativo publicado, em conjunto com colaboradores internacionais. E ainda este ano, em 2022, Mário Sérgio e seu aluno de doutorado, Gabriel Nunes, foram agraciados no Google Latin America Research Awards pelo seu projeto sobre análise formal de segurança em bases de dados muito grandes.

Como um bom membro da geração millenial, Mário Sérgio, que tem 39 anos, ainda usa calça skinny regularmente, mas como muitos membros da geração-Z, sua maior preocupação com o futuro próximo são as mudanças climáticas. Casado, mora há oito anos no Brasil com Trevor, que é norte-americano. Ainda não têm filhos, mas pretendem adotar. Enquanto isso não ocorre, as atenções vão para os dois sobrinhos muito amados: o Chet, de cinco anos, que mora nos Estados Unidos, e o Pedrinho, de três anos, que mora em Belo Horizonte. “Conheci o Trevor em 2010, quando fazia doutorado em Paris e ele era estudante de intercâmbio lá. Moramos na França, depois nos EUA, e agora no Brasil. Trevor já é mineiro de coração, fala “uai”, come goiabada com queijo e tudo mais (risos). Meus sobrinhos são adoráveis, e quem sabe em não teremos nossos filhos”, contou. 

Nas horas vagas, o docente gosta de ler, principalmente livros de não-ficção na área de física, biologia, sociologia, história e filosofia. “Gosto de jogar vídeo-game (sou um “Playstation–boy”, e não sou de jogar em outros console ou no PC), apesar de nem sempre ter o tempo que gostaria pra isso. Também gosto de natureza e de cozinhar”, falou.

Para o professor Gabriel Coutinho, Mário Sérgio é uma das pessoas mais comprometidas com a instituição que já conheceu. “Ele é genuinamente investido em promover o bem. É altruísta com o seu tempo e esforço, e tem uma das qualidades mais especiais que um professor pode ter: está sempre disposto a ouvir, a reconsiderar suas opiniões e, ao mesmo tempo, é firme. É um traço que o torna um excelente parceiro de trabalho. Tive o prazer de colaborar com ele em vários projetos institucionais, comissões, colegiados e, finalmente, em um artigo. Juro que não é porque ele encheu minha bola na matéria passada, mas foi tudo um grande aprendizado para mim. O único defeito é que ele acha que tem o sorriso mais encantador do ICEx, quando todos sabemos que ele perdeu esse título em 2017, quando eu entrei (risos)”, disse.

Já para o professor Jefersson Alex dos Santos, o Mário é uma pessoa muito inteligente, correta, justa e de grande coração. “Apesar de ser um cara extremamente lógico e racional, costuma ter a empatia como um elemento fundamental nas opiniões que expõe. A gente sabe que pode apresentar opiniões contrárias, divergentes e ter uma discussão madura com Mário. Essas são características excelentes para um profissional e, certamente, ter o Mário como colega é enriquecedor para todos no DCC.

Durante a conversa com a Comunicação do DCC/UFMG, Mário Sérgio também falou sobre o que o inspira, sobre o Departamento, os alunos e a pesquisa, veja abaixo:

O que te inspira como professor?

Como provavelmente qualquer outro cientista, gostaria de crer que parte da minha pesquisa possa, eventualmente, tornar alguma parte do mundo um pouquinho melhor. Mas essa é uma esperança que pode ser ou não concretizada, e mesmo que seja, pode ser após o meu tempo nesse mundo ter passado. Por outro lado, o ensino é a parte do meu trabalho que produz os efeitos mais tangíveis para mim, pois vejo o crescimento dos alunos em tempo real, no meu contato com eles no dia a dia. Fico feliz quando imagino que possa estar tendo um impacto positivo na formação dos estudantes, uma vez que realmente acredito na educação como força transformadora da sociedade. Uma das coisas que me deixa mais feliz é quando um aluno me diz que algum conteúdo que aprendeu comigo o fez pensar em algo diferente, que o fez crescer.

Como você se define como professor?

Há duas respostas para esta pergunta. A resposta mais formal, já bem conhecida por quem já foi meu aluno, é que eu tenho quatro princípios didáticos que me guiam, que podem ser resumidos como: (1) eu não complico o conteúdo que ensino, mas não escondo sua complexidade; (2) eu acredito que um bom aprendizado é composto por dominar a teoria e saber aplicá-la na prática; (3) eu acredito ser possível melhorar o desempenho de alguém trabalhando para isso; e (4) eu acredito que um bom aprendizado é um trabalho de equipe, entre professor e estudante. Tudo o que faço em sala de aula é guiado por estes quatro princípios. Já a resposta mais informal é que eu tento ser o professor que eu gostava de ter quando era aluno.

O que você ensina no DCC/UFMG e como você o faz?”

Eu ensino disciplinas da área de Algoritmos e Teoria, já que minha formação é em teoria da computação e em métodos formais. As obrigatórias que mais frequentemente leciono são Introdução à Lógica Computacional e Fundamentos de Teoria da Computação. Já as optativas são Teoria da Informação e também Fluxo de Informação Quantitativo. Todas são disciplinas mais teóricas, que exercitam a capacidade de abstração e formalização dos estudantes, mas com forte aplicação na computação.

Por que decidiu ir para a área de pesquisa e não para o mercado de trabalho?

Já trabalhei como programador em uma grande empresa e, também, tive uma start-up. Os períodos em que passei por estas experiências foram muito enriquecedores, mas nada me motiva mais do que a ciência e o ensino. Volto pra casa feliz no fim de cada dia de trabalho no DCC/UFMG. Como falei antes, não sei se eu decidi conscientemente ir para a área de pesquisa, ou se quando me dei conta já estava naturalmente nela e não queria sair mais.

O que o inspira em suas pesquisas?

Quem me conhece de perto sabe que sou uma pessoa muito ansiosa, que pensa muito nas consequências de cada ato e no que podemos fazer agora para aumentar a chance de um futuro melhor (seja em coisas pequenas ou grandes). Apesar de naturalmente me preocupar com o futuro de curto prazo, também penso muito no longo prazo, em coisas do tipo “Como será o mundo daqui a dez, cem, mil, ou um milhão de anos?”. Não me alinho com a filosofia do “longtermism” (algo como “longo-prazismo”), mas quando penso num prazo tão longo assim, acho pouco provável que nosso futuro seja qualquer coisa diferente de uma utopia ou uma distopia: o meio termo me parece inverossímil. Mas nesse muito longo prazo, todo problema, por menor que seja, pode ter uma chance de ser pesquisado e resolvido e, assim, contribuir para um futuro melhor. Gostaria que minha pesquisa pudesse contribuir para resolver uma pequena parte de um desses pequenos problemas, aumentando assim as chances de que esse futuro tenda a ser bom.

Qual o maior objetivo das suas pesquisas?

Trabalho com os fundamentos matemáticos e formais, o que recentemente tem sido chamado de “computação responsável”. Em essência, meus objetivos são: (1) identificar efeitos importantes de sistemas computacionais que vão além de consumo de tempo e espaço, como, por exemplo, o impacto que programas têm em privacidade, justiça, transparência, polarização e utilidade para a sociedade; (2) definir quais as unidades em que essas grandezas podem ser quantificadas; e (3) encontrar as leis que regem as interações entre estas grandezas, identificando o que é possível ou não fazer, em princípio, para otimizar os impactos sociais de sistemas computacionais. Meu foco de atenção é o campo de pesquisa em fluxo de informação quantitativo (ou “quantitative information flow – QIF”, em inglês), que é um arcabouço formal para mensurar o fluxo de informação em sistemas computacionais. De forma geral, o meu método de pesquisa é focado na análise matemática e formal de sistemas computacionais, e menos em experimentação empírica, apesar de efetuarmos experimentos quando apropriado.

No geral, qual o impacto das suas pesquisas no dia a dia das pessoas?

Parte da minha pesquisa não tem impacto imediato, porque trata-se de identificar os princípios ou leis gerais que regem o comportamento de sistemas computacionais, identificando que compromissos são matematicamente possíveis de serem atingidos entre objetivos conflitantes como privacidade, justiça, transparência, etc. Essa parte é a de pesquisa fundamental, que é extremamente estimulante. Por outro lado, parte da pesquisa tem efeitos imediatos muito tangíveis, em particular quando avaliamos sistemas já existentes. Como exemplo de impacto no dia a dia das pessoas, nosso laboratório, em conjunto com alunos de graduação e de pós-graduação, fez uma extensiva análise quantitativa dos riscos à privacidade decorrentes da atual forma de divulgação por parte do Inep dos Censos Educacionais oficiais do Brasil. Estes censos contém os dados de mais de 50 milhões de brasileiros, incluindo (teoricamente) todos os estudantes do país em todos os níveis de educação (do Ensino Fundamental à Pós-Graduação). Nosso estudo identificou severos riscos à privacidade dos estudantes nestas divulgações, o que contribuiu para o Inep a modificar a forma de publicação dos mesmos. Isto acabou levantando o debate na sociedade civil sobre o compromisso entre a privacidade dos estudantes e a utilidade que os dados dos censos provêm à sociedade. O assunto foi coberto em vários veículos de comunicação nacionais e está, inclusive, sendo debatido no Congresso Nacional.

Qual o maior desafio (ou quais os maiores desafios) que encontra para realizar as pesquisas?

Identifico três tipos de desafios. O primeiro são os desafios intrínsecos à pesquisa, que são em geral motivantes. Estes incluem a dificuldade natural em entendermos e modelarmos um problema difícil, e em seguida trabalhar duro para encontrar uma solução para ele. O segundo são os desafios de comunicação científica. Na minha área, a de computação responsável, temos que muitas vezes informar ao público de verdades duras como “Infelizmente seu sistema não pode ser completamente privado, justo, transparente e útil ao mesmo tempo. Vamos ter que abrir mão de alguma coisa aqui”. Como cientista da computação não me cabe dizer que valor social deve ser priorizado em cada caso (justiça ou utilidade? privacidade ou transparência?), esta é uma decisão que a sociedade deve fazer com base em seus princípios e, muitas vezes, por via da democracia representativa. Entretanto, como cientista, posso quantificar precisamente quais compromissos entre os diferentes objetivos são atingíveis, identificando soluções alternativas e clarificando o custo-benefício de cada uma. Isso permite que os tomadores de decisão estejam bem informados na hora de guiar os rumos da sociedade. Por fim, há os desafios de financiamento de pesquisa no Brasil, o que inclui as bolsas para manutenção das atividades de estudantes de graduação e de pós-graduação. Muita gente tem a impressão de que pós-graduação é apenas estudo, mas não é. Trata-se de um trabalho altamente qualificado e que merece remuneração – e muitos países reconhecem isso. Infelizmente, é comum no Brasil haver instabilidade de financiamento de pesquisa, o que dificulta que novos pesquisadores iniciem e se mantenham ativos na área. 

O que em sua opinião não pode faltar em um pesquisador? Por que?

Acho que todo pesquisador tem que ser curioso, ser comprometido com o método científico e ter visão das consequências éticas de seu trabalho. E uma coisa que não pode faltar é persistência.

Como vê os alunos do DCC?

Já tive a oportunidade de conviver com alunos de variadas universidades de alto nível e em diversos continentes, e digo com tranquilidade que os alunos do DCC/UFMG apresentam alto preparo e capacidade. Há muito talento entre nossos alunos!

O que não pode faltar em um aluno do DCC?

Seja aquele que deseja ingressar na pesquisa ou no mercado de trabalho, acho que todo aluno do DCC/UFMG tem que ser comprometido com a ética de trabalho (responsabilidade, confiabilidade, competência) e ter visão das consequências éticas de seu trabalho.

Como você define o DCC?

O DCC é um Departamento que procura um equilíbrio entre guiar todos os integrantes como um time e proporcionar liberdade acadêmica, e acho isso uma característica muito bacana. O corpo docente é altamente qualificado, com professores que são destaque em sua área de pesquisa. Além disso, o nosso corpo técnico-administrativo é sensacional, qualquer um que já precisou contar com eles sabe como são eficientes, dedicados e gentis. Por fim, o corpo discente é a alma de qualquer universidade e Departamento, e o nosso é excepcional.

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