“Uma parte muito grande e importante da minha vida acontece no DCC”, afirma professor

Com uma carreira acadêmica de encher os olhos, Fernando Magno Quintão Pereira fez graduação e mestrado no Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (DCC/UFMG), além do doutorado nos Estados Unidos e pós-doutorado na França.

Atuando nas áreas de pesquisa de Compiladores e Linguagem de Programação, Fernando participou de vários projetos de pesquisa, alguns dos quais resultaram em ferramentas e patentes que hoje são usados na indústria. Alunos sob sua orientação já contribuíram para o desenvolvimento do compilador de JavaScript do Mozilla Firefox, e para o desenvolvimento da análise de divergências que hoje faz parte do compilador Clang. Esses alunos hoje trabalham em grandes empresas de informática, incluindo Microsoft, Apple, Google, ARM and Cadence.

Casado com a também professora Rafaela Salgado, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG, Fernando tem um filho de três anos, o Gabriel. Mineiro de Nova Era, Fernando é professor da UFMG desde 2009. 

Para o ex-aluno do DCC e agora professor do Departamento de Ciência da Computação do CEFET-MG, Andrei Rimsa Álvares, o professor Fernando é daquelas pessoas raras que existem no mundo e quando aparecem na vida não pode deixar passar de jeito nenhum. “Tive a sorte de cruzar o caminho do Fernando bem no começo da minha vida acadêmica e isso moldou todo o meu percurso dali em diante. São mais de dez anos de relação orientador-orientando e de amizade que guardo com muito carinho. Uma das coisas que mais me marcou são as pesquisas de ponta tão avançadas na área de compiladores que ele faz e, suas descobertas são sempre incluídas em sua disciplina de tópicos especiais. Mas isto ocorre não porque as pesquisas foram feitas por ele, mas por serem tão relevantes para a área que são necessárias para a formação de seus alunos. Muito obrigado por tudo e que você continue iluminando o caminho de seus alunos como iluminou o meu”, falou emocionado.

Em entrevista concedida à comunicação do DCC, o professor Fernando contou um pouco mais sobre a relação com o Departamento, os estudos, a pesquisa e a paixão pela docência.

O que te motivou a escolher o curso de Ciência da Computação?

Tive contato com programas de computador aos 14 anos. Peguei um livro chamado “Pascal Estruturado” na escola técnica de Nova Era, a cidade em que eu morava. Por coincidência, vários autores do livro trabalhavam no DCC: Christiano Becker, Eduardo Faria, Frederico Campos, Helton Matos, Marcos Santos, etc. Até sabia que a UFMG existia, mas não tinha a menor ideia do que era o DCC. A gente não tinha computador na época. Eu ficava tentando escrever os algoritmos no papel mesmo. Quando eu começava a entender porque algum algoritmo funcionava, eu achava a coisa mais linda que existia. Nunca pensei em fazer outra coisa na vida.

Qual foi o maior desafio, incentivo e inspiração enquanto estudante, desde a graduação?

Eu adorava o curso de computação. Era difícil, mas eu gostava de quase tudo; principalmente nos primeiros períodos. Achava o máximo as aulas de matemática discreta. Então, os maiores desafios não estavam relacionados ao curso em si. O mais difícil foi ter de sair do interior de Minas Gerais e vir morar em Belo Horizonte. Não havia muito conforto. A vida era solitária. Dentro da universidade eu era muito feliz. Fora dela, um pouco menos.

O que mais te marcou durante o período de estudante?

Acho que foram as amizades que eu fiz dentro da Universidade, com os colegas de curso. Foi a primeira vez que eu pude conversar com pessoas que tinham interesses similares aos meus. Eu aprendi muito. Não só sobre informática. A gente vai percebendo que o mundo é bem maior do que a gente pensava.

O que o motivou a ser professor?

Gostava muito da Universidade. Não queria sair de lá. A Universidade é um ambiente incrível, repleto de ideias, de opiniões diversas, onde podemos estar sempre aprendendo.

O que te inspira como professor?

Várias coisas me inspiram enquanto professor. A Ciência da Computação nunca deixou de ser bonita para mim. Até hoje eu gosto de programar, de aprender alguma linguagem de programação diferente. E há as pessoas: os alunos e os colegas de trabalho. Dentro da Universidade temos muitos exemplos de perseverança e determinação que são inspiradores. Alguns alunos batalharam muito para entrar no DCC e seguem lutando para concluir o curso. É bonito ver esse esforço rendendo frutos.

O que você ensina no DCC/UFMG, e como você o faz?

Ensino disciplinas relacionadas à programação. Passei alguns anos ensinando linguagens de programação. Hoje venho trabalhando com desenvolvimento de software. Antes da pandemia, gostava muito da pedagogia socrática: ensinar fazendo perguntas. Organizava cada aula em torno de algumas perguntas, que buscava responder com os alunos. Durante a pandemia, optei por aulas assíncronas, via vídeos. Tenho um canal no YouTube, onde vou colocando os vídeos das aulas. Durante as aulas síncronas ainda tento apresentar o conteúdo via perguntas. Não funciona tão bem quanto no modelo presencial. Mas, felizmente, acho que já estamos voltando para a sala de aula.

Por que decidiu ir para a área de pesquisa e não para o mercado de trabalho?

Como havia dito, eu queria continuar na universidade. Em particular, eu queria continuar na UFMG. Para trabalhar lá hoje, é necessário fazer pesquisa. E eu acabei gostando muito da carreira de pesquisador. Gosto de explorar novas ideias. E há, ao longo de nossa carreira, diversos “Momentos Eureka”: às vezes conseguimos provar ou demonstrar alguma coisa; alguma descoberta que vem de nossa intuição e da aplicação sistemática do método científico. O que dá certo desperta nosso entusiasmo. Não há sentimento melhor que o entusiasmo.

O que o inspira em suas pesquisas?

As pessoas, sem dúvida. Trabalhar com alunos aprendizes é muito gratificante. É bom vê-los tomarem gosto pela descoberta, crescerem enquanto cientistas, desenvolverem sua competitividade e o amor pelo grupo de pesquisa. Além disso, me traz muita satisfação vê-los conseguindo bons empregos. E há também meus colegas de trabalho, que são sempre fonte de inspiração. Quando eu fiz mestrado, trabalhei muito com o Marco Túlio, que atualmente é um colega de Departamento. Ele hoje deve ser o pesquisador em engenharia de software mais importante do Brasil. Ele sempre esteve presente junto aos alunos que orientava. A forma como ele, dentre outros colegas, se dedicam a essas orientações é fonte de inspiração para mim.

Qual o objetivo das suas pesquisas?

Trabalho com compiladores. Essas são as ferramentas que traduzem os textos que as pessoas escrevem em linguagens de programação para o formato que os computadores entendem. Então o objetivo da pesquisa em compiladores é tornar os programadores mais produtivos: é permitir que eles usem linguagens de programação cada vez mais expressivas, enquanto aproveitam hardware cada vez mais complexo. Dessa forma, enquanto desenvolvedor de compiladores, eu busco construir pontes entre pessoas e computadores.

No geral, qual o impacto das suas pesquisas no dia a dia das pessoas?

Algumas das técnicas que inventamos no Laboratório de Compiladores acabaram sendo adotadas em sistemas de computação muito populares. Por exemplo, nosso algoritmo de propagação de constantes chegou a ser incorporado no TraceMonkey, que era o compilador de JavaScript do Firefox. A análise de divergência que inventamos para GPUs hoje está disponível em clang, que é um dos compiladores mais populares que existem. E algumas empresas de análise estática de programas, como a Cyral, a ShiftLeft, a Imagine.AI e a Quansight acabaram vindo para Minas Gerais, contratar ex-alunos do Laboratório de Compiladores.

Qual o maior desafio (ou quais os maiores desafios) que encontra para realizar as pesquisas?

Há vários tipos de desafios na pesquisa, de natureza técnica, de natureza social, de natureza política. Enquanto pesquisadores, nós competimos com vários outros centros de pesquisa espalhados pelo mundo. Existe uma corrida para descobrirmos novos resultados. Às vezes trabalhamos muito em algo, mas outro grupo de pesquisa acaba divulgando contribuições muito similares antes. E nesse caso, não conseguimos colher o reconhecimento pelo nosso esforço. Reconhecimento é muito importante para pesquisadores. Do lado social do trabalho, eu achei demorado o processo para conseguir autonomia enquanto pesquisador no DCC/UFMG. Quando vim do doutorado, não consegui entrar diretamente no programa de pós-graduação: foi necessário esperar três anos para isso. Também demorei bastante para poder criar oficialmente o Laboratório de Compiladores. Não havia regras no DCC para a criação de laboratórios. Essas regras somente foram criadas na gestão do professor Wagner, sete anos depois que eu havia sido contratado.

O que em sua opinião não pode faltar em um pesquisador? Por que?

Entusiasmo. É o entusiasmo que nos move. A pesquisa pode ser muito frustrante: para cada resultado positivo, vários fracassos aconteceram. Para cada artigo aceito, outros foram rejeitados. Sem entusiasmo, a gente desiste de fazer pesquisa.

Como vê os alunos do DCC?

Os alunos do DCC são excepcionais! Para mim, o corpo discente é o maior patrimônio do departamento. Cada aluno ou aluna que entra no departamento é um investimento que a sociedade brasileira faz para atrair riquezas para nosso país. Entre os discentes eu encontro pessoas brilhantes, perseverantes, lutadoras e bem intencionadas. Tenho aprendido muito com aqueles alunos e alunas com quem pude ter contato. Cada um deles que se forma deixa alguma saudade por aqui.

O que não pode faltar em um aluno do DCC?

Seja aquele que queira ingressar na pesquisa ou no mercado de trabalho. O gosto pela computação. Informática é uma arte difícil. Seu conhecimento demanda muito tempo e determinação. Uma pessoa que não goste de computação pode até conseguir se formar no DCC, mas vai colecionar muitos dias infelizes. O curso é longo e difícil. É melhor fazê-lo com amor.

O que representou e representa o DCC em sua vida estudantil e agora profissional e, até mesmo, no campo pessoal?

Uma parte muito grande e importante da minha vida acontece no DCC. É lá que estão muitos dos meus amigos. É lá que coloco muito da minha energia e do meu tempo. É lá que eu aprendo as coisas, que melhoro enquanto pessoa e enquanto profissional. Me sinto feliz com as conquistas do DCC, mesmo quando eu não estou envolvido nelas, porque eu tenho orgulho de trabalhar lá.

Como você define o DCC?

O DCC/UFMG é um centro de construção de conhecimento em informática, onde formam-se recursos humanos altamente qualificados. Desde a fundação, vem contribuindo muito com a atração de riquezas para o país. A existência de uma instituição como o DCC/UFMG, sem dúvida, contribui para que o Brasil possa alcançar e preservar sua independência digital.

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