Voluntários têm a cognição e o comportamento motor avaliados em processos práticos
Foram iniciados, em janeiro de 2022, após imunização completa de todos os envolvidos, os testes práticos da pesquisa da doutoranda em Neurociências, Joana Andrade Ramalho Pinto, que faz parte do projeto “Treinamento cognitivo-motor na realidade virtual imersiva para idosos: relações entre parâmetros eletrofisiológicos e neuropsicológicos”. O Programa de Neurociências reúne professores de várias unidades da UFMG, constituindo-se em uma iniciativa da Universidade, no sentido mais amplo dessa palavra. A aluna é orientada pelos professores Guilherme Menezes Lage e Erickson Rangel do Nascimento, coordenador do Núcleo de Neurociências do Movimento (NNeuroM), vinculado ao Grupo de Estudo em Desenvolvimento e Aprendizagem Motora (Gedam) da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) e professor do Laboratório de Visão Computacional e Robótica (VeRLab) do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, respectivamente. Também participam da pesquisa, estudantes e professores de diversas áreas da UFMG, como a saúde, exatas e humanas, além do professor Pedro Santos Pinto Gamito, da Universidade Lusófona de Tecnologia e Humanidades, em Portugal.
Voltada ao público entre 60 a 80 anos, destros, sem histórico de labirintite, a análise tem por objetivo promover a melhoria na qualidade de vida dos idosos, promovendo a saúde, o bem-estar e a independência. Os testes estão ocorrendo presencialmente na UFMG, campus Pampulha, em uma sessão com o tempo estimado de duração de 1h40, agendado de acordo com a disponibilidade do voluntário. Durante os testes, são avaliadas as percepções dos idosos na execução de atividades em ambiente de realidade virtual imersiva, através de análise comportamental e eletroencefalográfica (EEG, registro de atividades corticais).
Por ser arquiteta, desde a época do mestrado em neurociências, Joana tinha o objetivo de avançar suas pesquisas interligando o espaço, a tecnologia e a realidade virtual. Posteriormente, junto ao professor Guilherme, orientador do projeto, definiram o público e, assim, o estudo da conexão entre as pessoas e o espaço, de forma virtual, por meio de ambientes elaborados, usando o metaverso para o bem-estar daqueles que têm algum tipo de dificuldade, seja pela idade ou por doenças, ajudando-os a transferirem o aprendizado do ambiente virtual para ambiente real.
O professor Guilherme trabalha com estudo de comportamento motor, como se aprende e controla os movimentos. Desta forma, como o idoso tem um declínio nas funções motoras ocorrendo um impacto no dia a dia deles, e, ao mesmo tempo, o aspecto cognitivo que é a tensão, a memória influencia na forma como o movimento é executado, na qualidade do movimento. ‘Para mim, o interesse dentro desse trabalho é investigar se o treinamento cognitivo motor, por meio da realidade imersiva virtual, poderá melhorar não só a parte cognitiva, mas também a parte motora. Esse é o elo entre a educação física e a computação, por esse treinamento ser mais eficiente nas funções cognitivas e ter melhor qualidade no controle das atividades diárias. Queremos proporcionar uma forma de treinar e melhorar as funções cerebrais, o que desencadearia melhora na função motora e, como consequência, um impacto na vida dos idosos. Obviamente isso é uma pesquisa, então tem que avançar passo a passo, caso os resultados sejam favoráveis, a um forte potencial para a aplicação deste treinamento de forma mais ampla”, relatou.
Como segundo e terceiro passos, um possível objetivo é a aplicação do treinamento na prática clínica, com o maior número de idosos e, assim, gerar o benefício desse treinamento pro dia a dia deles. “Há um crescente interesse no estudo dos idosos, principalmente no que diz respeito ao comportamento motor. Um dos fatores que leva a esse interesse é o crescimento populacional dos idosos e, por isso, precisamos entender melhor os mecanismos que geram as alterações que ocorrem com o envelhecimento, já que na medida que entendemos esses mecanismos conseguimos fazer a propor soluções para tentar diminuir os danos, ou mesmo gerar ganhos para melhoramos a qualidade de vida deles”, contou Guilherme.
Atualmente já é possível criar ambientes personalizados para treinamentos, colocando-os de acordo com o dia a dia de cada pessoa, mas com um custo aumentado devido às imagens a serem captadas e as reconstruções. Museus, como o Louvre, foram reconstruídos virtualmente. Este é outro ponto ressaltado por Guilherme, a vantagem de se fazer um treinamento dentro do ambiente virtual, já que no ambiente real, muitas vezes, não há como simular o que o idoso vive no dia a dia, não havendo a riqueza de elementos, de informações sensoriais e motoras. “Para realizar o treinamento não é necessário personalizar, mas já é possível. Com a realidade virtual há como enriquecer o ambiente de uma forma que não conseguiria no consultório. O treinamento propicia mais veracidade na realidade virtual imersiva do que se tentar organizar dentro do consultório, nunca será tão parecido. Conseguimos reproduzir diferentes ambientes e muito próximos aos de uma casa ou de um supermercado, por exemplo, com atividades diversas”, afirmou.
Já para o coorientador da pesquisa, professor Erickson, o projeto tem um impacto social muito grande, principalmente por três aspectos: a falta de condições do indivíduo de executar exercícios físicos pela perda muscular; o deslocamento do indivíduo para as atividades de reabilitação; o acompanhamento médico e o custo. “O atendimento pode ser realizado de casa. Desta forma, democratiza o acesso a algumas terapias que pouquíssimas pessoas podem ter, já que não precisará que um fisioterapeuta ou um médico realizem presencialmente o atendimento na clínica, pode fazer em casa, no ambiente de realidade virtual. Haverá acesso àqueles que não têm condições financeiras e, também, aos que têm restrições físicas”, descreveu.
A mesma tecnologia utilizada nesta pesquisa, o metaverso, é atualmente vendido pelo Facebook, por exemplo, voltado ao impacto econômico, onde os usuários podem jogar e se conectar a outros jogadores, interagindo como se estivessem verdadeiramente em sua frente. Também como um entretenimento, só que cultural, há visitas em museus, o que promovem benefícios e serviços. Mas, de acordo com os cientistas, o impacto desta pesquisa é mais amplo, tanto no aspecto social quanto econômico, já que trata da saúde, do bem-estar, da independência e de tudo o que engloba a individualidade e o coletivo no atendimento dos envolvidos, além de ampliar democraticamente a assistência. “Um trabalho bem conhecido, mas que não se fala da forma que deveria, são as frotas autônomas. Neste contexto, as máquinas são operadas à distância e de forma remota, o que evita riscos aos operadores em locais de catástrofes naturais ou não, além de trabalho de grande risco. Neste mesmo contexto, para o operador controlar a máquina de forma adequada é igual o caso dos idosos, eles têm que se sentir naquele lugar, têm que se sentir imersos para fazer a operação adequada”, esclareceu Erickson.
De acordo com Erickson, está muito em moda nos dias de hoje o entretenimento, visitas em museus, parques e jogos, tendo um aporte financeiro gigante das empresas. “Isto é importante, mas as questões sociais e de saúde são também de extrema relevância, ou até mais, já que da mesma forma trazem enorme impacto econômico. Evita-se internações, há uma melhora na qualidade de vida das pessoas, otimiza o tempo dos profissionais envolvidos, evita gastos com deslocamentos, entre outros ganhos”, enfatizou. Ao mesmo tempo, o professor ressalta a importância da quantidade de dados comportamentais que estão sendo guardados e podem ser utilizados para auxiliar outros pacientes quando várias pessoas interagem em um mesmo ambiente virtual. “Todos esses benefícios pro usuário serão registrados, uma pessoa utilizando o sistema por alguns meses ou alguns anos, poderemos entender qual o desenvolvimento daquela pessoa, o que está prejudicando, e pode usar isso em outros pacientes. Quando alguém usa ambientes virtuais esse conjunto de dados são guardados e são preciosíssimos. Podem ser analisados para entendermos o que é bom e o que é ruim para pessoa”, disse.
Para os professores, a união entre os Departamentos no desenvolvimento das pesquisas amplia os resultados, auxilia ambos e, assim, ajuda na solução dos problemas da sociedade de uma forma mais célere. “A união entre os Departamentos é um catalisador. Ele acelera a capacidade dos pesquisadores envolvidos de pensar em soluções de grande impacto para diversos problemas em um prazo menor. Temos diversas ferramentas que podemos prover para outras disciplinas e aprender também. Há perguntas no ponto de vista computacional que não conseguiria responder sem a cooperação do professor Guilherme, por exemplo, que trabalha com a análise cognitiva, já que a nossa interpretação humana não é só física, é também cognitiva. Assim, conseguimos ajudá-lo e também sermos ajudados”, explica Erickson.
Já para o professor Guilherme, a parte da computação além de ter as questões próprias para serem resolvidas vai sempre dar um suporte para as áreas biológicas e da saúde. “No caso da Educação Física, um estudo do comportamento motor, por exemplo, temos limites na extensão em que o conhecimento é gerado, mas têm algumas questões que não conseguimos avançar tão bem. Toda a parte da modelagem computacional, com os recursos disponíveis nessa área, somam e nos faz avançar em questões que estão represadas. A tecnologia está cada vez mais disponível, sendo assim, acredito que na perspectiva de atuação do professor de educação física, por exemplo, terá muito impacto nesses ambientes virtuais. Não conseguiríamos interagir com toda essa mudança tecnológica, todas essas possibilidades, se não houvesse essas parcerias. Mas, vale ressaltar, que além dessa pesquisa, há a troca que temos e sempre surgem coisas novas e riquíssimas. Quando unimos as áreas acredito que o quadro fica um pouco mais completo, consegue-se entender melhor o que é fenômeno que é tão complexo, com uma abordagem mais interdisciplinar e multidisciplinar. Acredito que os pesquisadores têm que sempre estar dispostos a interagir, como ocorre aqui no DCC, isso é riquíssimo não só para a solução de um problema ou gerar um produto, mas para trazer coisas novas, é uma forma da universidade avançar”, afirmou.
Também estão envolvidos nesta pesquisa, além da doutoranda Joana Andrade (Neurociências/UFMG), Sara Assis Leão (mestre em Neurociências/UFMG), Victor Moura (iniciação científica da Ciência da Computação), Natália Lelis, (doutoranda em Ciências do Esporte/EEFFTO), além do Tercio Apolinário de Souza (pós-doutorando em Ciências do Esporte/EEFFTO).
Assista o vídeo no Youtube com as explicações da doutoranda Joana Andrade e dos professores Erickson e Guilherme.
Essa matéria foi repercutida pelo G1 Minas. MGTV , pela UFMG, pela Itatiaia (a partir da 1h09min de programa), no Jornal Hoje em Dia