Anterior ao advento da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, governos e instituições vêm se preocupando e, em alguns casos, se preparando fortemente para uma ciberguerra, ou seja, um ataque que não ocorre com armas físicas. Esta guerra paralela à convencional e que existe no ciberespaço – a integração entre tecnologia, pessoas e dados – ressalta a importância da segurança cibernética para a soberania nacional. Para desenvolver diversas atividades diferentes, atualmente, há grande dependência das pessoas e instituições às redes de computadores e à internet no ambiente cibernético. Ao mesmo tempo, há também grande dependência em sistemas de tecnologias de comunicação e informação nos ambientes domésticos e de infraestruturas de redes de energia elétrica, gás e água, o que torna este ambiente alvo de tentativas de ataques para atingir um país ou empresas.
De acordo com a professora do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (DCC/UFMG), Michele Nogueira Lima, a ciberguerra é composta por múltiplas ameaças virtuais, como espionagem e sabotagem. A espionagem cibernética é uma dessas ameaças e tem como objetivo obter informações sigilosas de governos de países, comprometendo a segurança nacional. “A violação desse sigilo pode causar muitos danos reais ao país atacado. Em uma situação de guerra física, isso se torna ainda mais perigoso, devido à possibilidade de obter informações sobre as táticas do inimigo. Na sabotagem, ações maliciosas são realizadas para comprometer a infraestrutura digital e seus serviços, como interromper os sistemas de comunicação”, explica a professora.
Conforme os estudos realizados por Richard A. Clarke e Robert K. Knake, autores de vários livros relacionados à Ciberguerra, a capacidade e o potencial ofensivo e defensivo da Rússia no ciberespaço já é conhecido. Em 2008, na guerra da Geórgia, forças separatistas, apoiadas pela Rússia, utilizaram a estratégia ofensiva no ciberespaço comprometendo sites do governo e empresas públicas e privadas da Geórgia. Ao mesmo tempo, de acordo com a análise dos pesquisadores, feita em 2010, a Rússia e a China apresentaram a maior capacidade ofensiva, atrás apenas dos Estados Unidos e maior capacidade defensiva atrás apenas da Coréia do Norte. A Rede de Negócios Russa é considerada a principal organização mundial no fornecimento de base logística para ciberataques.
Segundo os noticiários, o conflito híbrido entre Rússia e Ucrânia – em terra e no ciberespaço – e, de acordo com o vice-ministro de Transformação Digital da Ucrânia, Alex Bornyakovos, em entrevista à BBC News de 11 de Março de 2022, a Rússia vem atacando de diferentes formas a infraestrutura de comunicação e de informação da Ucrânia há mais de oito anos e não somente desde o início da guerra física. Ao longo desse tempo, a Ucrânia precisou se defender e criar um exército de Tecnologia da Informação, com mais de 300 mil voluntários e, assim, proteger a infraestrutura digital do país. De acordo com o vice-ministro, além de ataques que impedem os serviços na infraestrutura digital, a principal ameaça combatida diariamente hoje é a desinformação.
Revelações feitas em 2013, por Edward Snowden, o Brasil foi e é alvo de espionagem cibernética. Segundo o ex-técnico da CIA, a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos coletou dados de usuários brasileiros e espionava setores fundamentais da economia brasileira. “Para se proteger, o governo brasileiro vem fortalecendo ações em busca de segurança cibernética. Como exemplo, em dezembro de 2018, o então presidente Michel Temer instituiu a Política Nacional de Segurança da Informação (decreto nº 9.637). Já em julho de 2021, o governo instituiu a Rede Federal de Gestão de Incidentes Cibernéticos (Decreto nº 10.748). Com certeza, são ações salutares e necessárias, mas é necessário a formação e capacitação de recursos humanos qualificados para atuar na segurança cibernética”, ressaltou.
Segundo Michele, a formação em TI e especialização em cibersegurança não é uma tarefa fácil ou rápida. Ao mesmo tempo, o Brasil tem um déficit grande de profissionais na área de TI de forma geral e, de acordo com o relatório da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), estima-se que o setor vai precisar de 797 mil talentos de 2021 a 2025. No entanto, com o número de formandos aquém da demanda, a projeção é de um déficit anual de 106 mil talentos – 530 mil em cinco anos. “O Brasil perdeu nos últimos anos vários profissionais representativos e competentes na área de cibersegurança. Esses profissionais estão hoje atuando na temática de cibersegurança em outros países. Precisamos urgentemente atentar para esta necessidade e resgatar nossa comunidade e formações qualificadas na área. Precisamos de profissionais para atuar em diferentes frentes, sejam elas técnicas ou de gestão, além de intensificar os nossos programas de formação na área de cibersegurança, inovação e desenvolvimento tecnológico. Assim, essas ações deveriam ser prioritárias, visando sobretudo a proteção da soberania nacional”, afirmou a professora.