Programa busca parceiros para construção de provas de conceito que irão demonstrar o potencial de se treinar modelos de aprendizagem de máquina para o ambiente automotivo
A ampliação da quinta geração de redes móveis, o chamado 5G, promete transformar a mobilidade urbana ao ampliar a conectividade veicular, um dos conceitos essenciais à concepção das cidades inteligentes (smart cities). O Rota 2030 tem papel relevante nesse cenário ao impulsionar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação (PD&I) de tecnologias disruptivas específicas na indústria automotiva.
Liderada pela Fundep, com coordenação técnica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Linha VI – Conectividade Veicular do Rota 2030 deverá aportar até R$ 200 milhões em projetos com diferentes temáticas e eixos de atuação. Um deles é o Programa de Aprendizado Federado, que busca viabilizar aplicações avançadas de aprendizagem de máquina em veículos conectados, de maneira a fazer melhor uso dos dados coletados.
A Linha VI está lançando editais em que as empresas podem se inscrever propondo, conjuntamente com os ICTs, projetos na área de conectividade veicular nas áreas de meio ambiente e descarbonização, tecnologia da privacidade dos dados, serviços, diagnósticos e manutenção preditiva. Esses projetos visam melhorar a competitividade das indústrias, ajudando no desenvolvimento de produtos e serviços inovadores.
De acordo com o professor da UFMG, Heitor Ramos, integrante da coordenação técnica da Linha VI do Rota 2030, o eixo de atuação em aprendizado federado ainda está em desenvolvimento e abrirá chamadas para projetos específicos a partir do próximo ano. No momento, o programa está em busca de parceiros para construção de provas de conceito (POCs), que irão demonstrar o potencial da tecnologia para o ambiente automotivo. Este ano, foi realizado um workshop com o objetivo de aproximar as empresas interessadas em iniciativas de desenvolvimento de aplicações e a previsão é que pelo menos outros dois eventos sejam promovidos até o final de 2023.
Dados protegidos
O Aprendizado Federado (Federated Learning), Aprendizado de Máquinas, surgiu da necessidade de evitar a transferência dos dados coletados por cada dispositivo para a nuvem, mantendo a privacidade dos usuários, mas possibilitando soluções baseadas em aprendizado de máquina em ambientes que apresentam alta fragmentação de dados. De acordo com o professor, este modelo é essencial para se evitar a violação das diretrizes vigentes nos países voltados à proteção da privacidade informacional dos indivíduos.
Tecnicamente, o aprendizado federado se baseia na distribuição do treinamento de modelos de aprendizado. Cada dispositivo treina seu conjunto de dados privado e reporta os parâmetros para um servidor central responsável pela agregação dos parâmetros em um modelo completo e pela distribuição do modelo agregado para os dispositivos. Este desacoplamento entre trabalho computacional e aquisição de dados garante a privacidade dos dispositivos.
Veículos inteligentes
A construção de modelos de aprendizado de máquina no segmento automotivo se mostra promissora, tendo em vista o grande volume de dados fragmentados produzidos pelas centenas de sensores presentes nos veículos modernos. Além das informações referentes ao funcionamento e estado dos componentes automotivos, esses sensores podem emitir dados sobre localização, rotas habituais, estilo de condução e preferências dos condutores, que dão margem para o desenvolvimento de novas aplicações e criação de novos modelos de negócios. “Buscamos explorar o Aprendizado Federado para um melhor uso da conectividade veicular, impulsionando a inovação de forma sustentável, sem comprometer dados sensíveis”, informa Ramos.
Segundo o professor, o Aprendizado Federado traz uma abordagem revolucionária, pois permite, por exemplo, que vários veículos colaborem com sistemas de gerenciamento de tráfego, compartilhando informações sobre condições do trânsito, obstáculos ou acidentes em tempo real. O modelo possibilita ainda mais sustentabilidade ao setor, uma vez que reduz a carga na infraestrutura de rede, minimizando o consumo de energia e a pegada de carbono. Dessa forma, abrem-se caminhos para a implementação de recursos avançados para concepção de veículos autônomos conectados, que podem “aprender” coletivamente e ainda oferecer maior assistência ao motorista.
No Brasil, a adoção do Aprendizado Federado no setor automotivo pode trazer benefícios significativos. A melhoria da segurança nas estradas, por meio do compartilhamento de informações sobre incidentes, obstáculos ou condições climáticas adversas, a otimização do fluxo de tráfego e o aprimoramento da experiência do usuário são alguns deles. “À medida que a tecnologia avança e mais fabricantes de automóveis e entidades de infraestrutura adotam essa abordagem, podemos esperar uma maior integração de recursos de aprendizado colaborativo nos sistemas de veículos conectados, contribuindo para a evolução contínua da conectividade veicular no país”, diz o professor.
Potencial de desenvolvimento
Apesar de moldar a forma como os veículos se conectam e aprimoram a experiência da condução moderna num futuro muito próximo, a aplicação do aprendizado federado ainda é incipiente no mercado automotivo. “Essa frente da Linha VI tem um grande potencial disruptivo, visto que, mesmo em outros países, esses conceitos e tecnologias ainda estão em desenvolvimento”, afirma Ramos.
Criar equipes capacitadas para os desafios inerentes às ciências de dados e aprendizado de máquina no setor automotivo é, portanto, uma das pedras fundamentais do desenvolvimento do aprendizado federado. Por isso, a coordenação da Linha VI implementará nos próximos anos um programa para formação de colaboradores para o setor automotivo, voltado para análise de dados e inteligência artificial. O objetivo é atualizar competências relacionadas à manipulação de dados e desenvolver oficinas para aproximar pesquisadores de diferentes setores, a fim de lidar com a complexidade dos novos desafios.
“À medida que o aprendizado federado ganha mais destaque no setor automotivo, espera-se que sejam estabelecidos padrões e diretrizes para garantir a interoperabilidade (capacidade de um sistema de se comunicar de forma transparente com outro sistema), a privacidade e a confiabilidade das soluções implementadas. Espera-se ainda que as empresas e instituições de pesquisa continuem investindo em projetos e em desenvolvimento para impulsionar ainda mais o potencial do aprendizado federado no contexto veicular”, conclui Ramos.
Conheça cinco benefícios do aprendizado federado
1.Privacidade de dados: Como o Aprendizado Federado permite que os dados permaneçam localmente nos dispositivos participantes, não é necessário transferir grandes quantidades de dados para um servidor central. Isso preserva a privacidade dos dados sensíveis, como informações pessoais dos usuários. Ao manter os dados no dispositivo, o risco de violações de privacidade e exposição indevida é reduzido.
2.Economia de energia: Em vez de enviar todos os dados para um servidor central, o Aprendizado Federado permite que o treinamento do modelo seja executado localmente nos dispositivos participantes. Isso reduz a quantidade de energia necessária para transferir dados pela rede, resultando em menor consumo energético e menor pegada de carbono.
3.Menor carga na infraestrutura de rede: Como os dados não são transferidos em massa para um servidor central, a carga na infraestrutura de rede é reduzida. Isso pode levar a uma melhor utilização dos recursos de rede existentes e menor necessidade de expansão ou atualização da infraestrutura, o que contribui para a sustentabilidade ao evitar o aumento desnecessário do consumo de energia e recursos.
4.Redução de latência: O Aprendizado Federado permite que a inferência do modelo ocorra localmente nos dispositivos, eliminando a necessidade de enviar consultas de dados para um servidor remoto. Isso reduz a latência, o que é especialmente importante em aplicações em tempo real, como veículos autônomos, melhorando a experiência do usuário.
5. Aplicações específicas de sustentabilidade: como redução da pegada de carbono, a partir de sugestão de rotas mais otimizadas. Em resumo, o aprendizado federado contribui para a sustentabilidade ao economizar energia, reduzir a carga na infraestrutura de rede e melhorar a eficiência das aplicações veiculares. Esses benefícios combinados ajudam a promover um uso mais sustentável da tecnologia no contexto da conectividade veicular.
Saiba mais sobre a Linha VI – Conectividade Veicular
A conectividade é hoje vista pela população global como uma necessidade essencial. Pela primeira vez na história, o número de aparelhos conectados na chamada “Internet das Coisas” (IoT), capazes de estar conectados trocando dados e informações instantaneamente, é maior que o número de aparelhos não interligados (fonte: IoT Analytics).
Neste contexto, a pauta de conectividade veicular foi considerada pelo Governo Federal uma prioridade no programa Rota 2030. A Linha VI – Estímulo à Produção de Tecnologias Relacionadas à Conectividade Veicular busca promover a pesquisa, desenvolvimento e a inovação (PD&I) em conectividade veicular, contribuindo para o desenvolvimento Industrial e tecnológico do setor automotivo e sua cadeia de produção, promovendo impacto e abrangência nacional.
O programa irá estimular a produção de tecnologias em quatro principais áreas temáticas: Conectividade: Meio ambiente e Descarbonização; Conectividade dos veículos com o ambiente externo; Tecnologia da Privacidade e Segurança de Dados; e Serviços, Diagnóstico e Manutenção Preditiva de Veículos. Todas essas temáticas serão trabalhadas em 3 eixos: Projetos de PD&I; Programa de Aprendizado Federado; e Desenvolvimento de Competências.
Matéria replicada do site https://rota2030.fundep.ufmg.br