Conhecer todos os cantos da UFMG, viver e conviver desde a infância com o clima de uma universidade, esta foi e ainda é a realidade da nova chefe do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, Raquel Oliveira Prates, a primeira mulher a comandar o DCC desde a sua criação. Filha de professores da UFMG, Raquel fez o ensino básico no Centro Pedagógico (CP) e, com os amigos, ia para a escola e voltava para a casa a pé. Desde pequena, Raquel frequentava todos os espaços da universidade e, segundo ela, sentia que estava em casa. “Estar desde a infância dentro da UFMG é um privilégio. Meus pais foram professores daqui, o que talvez até de forma inconsciente me fez ver a profissão acadêmica como interessante. Ao mesmo tempo, estudei no CP, um lugar especial, que me deu uma excelente base e uma formação como um todo. O CP era uma escola muito aberta e nos incentivava a pensar, a testar e a descobrir. Sempre gostei muito de lá, em todos os sentidos, ia pro CP e voltava pra casa a pé todos os dias. Me senti desde menina em casa na UFMG, ela faz parte da minha vida desde sempre”, contou.
Prates escolheu a Ciência da Computação por acaso, já que, a princípio, não era uma área que se interessava enquanto estudante. “A Computação entrou na minha vida por acaso, não pretendia fazer Ciência da Computação e não era uma área que à época me interessava. Quando adolescente, os computadores não eram acessíveis a todos, mas não era algo que eu tinha interesse. Quando estava no meio do Ensino Médio, fiz um intercâmbio que me proporcionou conhecer a Computação. Eu tinha um horário vago em minha grade e queria diversificar os estudos. Assim, me matriculei na disciplina de Basic, que ensina uma linguagem básica de programação. Nunca havia feito nada na área, mas quando comecei a conhecer me apaixonei pela programação. Após o curso, voltei decidida a fazer Ciência da Computação. Isso me marcou muito em termos do impacto que esta exposição pode ter na pessoa. Os adolescentes hoje têm contato com computadores, mas não entendem realmente o que é a área da Computação. Conhecer a programação foi o que me fez escolher o curso. Acho que temos que expor mais os estudantes do Ensino Fundamental e Médio à Computação, mostrar o que é programar e todas as possibilidades do curso, entendo que assim, teríamos muito mais estudantes do que temos hoje”, afirmou.
Graduada em Ciência da Computação pela UFMG, com mestrado e doutorado em Informática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Raquel é atualmente professora titular do DCC/UFMG, onde ingressou em 2006. No departamento, além do trabalho com ensino, pesquisa e extensão, foi coordenadora do Bacharelado em Sistemas de Informação e, antes de ser eleita chefe do departamento, ocupou o cargo de subchefe por dois anos. Prates também fez pós-doutorado na Pennsylvania State University, no College of Information Systems and Technology, de agosto de 2014 a julho de 2015. Sua área de pesquisa é em Interação Humano Computador e Sistemas Colaborativos, atuando principalmente nos temas de engenharia semiótica, interação humano-computador, avaliação de interfaces, comunicabilidade, design de interfaces e programação por usuário final.
Ao longo dos anos de DCC, Raquel já ministrou quase 20 disciplinas diferentes, como Interação Humano-Computador (IHC), matéria obrigatória do curso de Sistemas de Informação e optativa do curso de Ciência da Computação, além de Algoritmo de Estrutura de Dados II, Estrutura de Dados, Sistemas Colaborativos, e várias optativas distintas, normalmente voltadas para a área de IHC. Admiradora dos seus professores, quando criança estudava brincando de professora. “Sempre admirei meus professores e gostava muito de estudar brincando com as minhas bonecas, como se fosse a professora delas. Ao voltar do intercâmbio nos Estados Unidos, passei a dar aulas de inglês e adorava fazer isso. Sempre gostei de estudar, por isso, após a graduação, já quis fazer o mestrado e o doutorado. Não sei quando explicitamente me decidi por ser professora e pesquisadora. Me lembro da primeira pesquisa que fiz, na época do Ensino Médio, onde tive que ler vários textos e gerei meu próprio texto, achei isso muito legal! Ao iniciar o doutorado, já tinha na cabeça que seria professora/pesquisadora. Gosto de lidar com as pessoas, gosto de dar aulas, de ensinar e ter essa troca com os alunos. Fico extremamente satisfeita quando consigo passar para os meus alunos não só o conteúdo das disciplinas que leciono, mas também contribuir para sua formação como profissional. Tive professores que me marcaram, me inspiraram, me motivaram e me deram muito exemplo. Se eu conseguir fazer a mesma coisa que sentia quando era estudante pelos meu alunos, serei muito feliz”, afirmou.
Raquel já recebeu vários prêmios em sua carreira, mas um dos principais foi o de “Carreira Destaque em IHC”, recebido no ano de 2022. Este prêmio é concedido pela Comissão Especial de IHC da Sociedade Brasileira de Computação (CEIHC/SBC), uma comunidade de pesquisa de IHC no Brasil que reconheceu o trabalho e a pesquisa da professora. Atualmente participa nas comunidades nacionais e internacionais de IHC e Sistemas Colaborativos, ela já atuou como coordenadora da CESC, de 2015 a 2019, da CEIHC, de 2006 a 2010, e foi coordenadora de programa do ACM International Conference on Supporting Group Work 2022/2023 – Third Wave. Além disso, foi representante da SBC na IFIP TC13 – Human-Computer Interaction Group, de 2013 a 2017, e membro do Comitê Executivo do SIGCHI de 2001 a 2004. Desde 2020, Raquel atua como uma das editoras da Communications in Computer and Information Science da Springer e, desde de dezembro de 2022, da SIGCHI Outstanding Dissertation Committee. Ela participa, também, como membro de diversos comitês de programa nacionais e internacionais de conferências nas áreas de IHC e Sistemas Colaborativos.
Dedicada à área de Interação Humano-Computador desde o doutorado, Raquel tem como maior motivação a interface da Computação com a sociedade. “É uma área que me encanta, pois criamos tecnologias que são interessantes para as pessoas, que atendem o que elas necessitam e estuda o impacto das tecnologias nos contextos utilizados pelas pessoas e pela sociedade. É extremamente importante nos dias de hoje, inclusive pela difusão da área, conseguir entender os impactos e necessidades reais dessas tecnologias. É fundamental pensar no usuário final das tecnologias”, explicou.
Desde estudante do DCC, Raquel sentia-se parte do departamento e como se estivesse em casa. “O curso sempre foi muito puxado e com vários desafios, mas todos nós alunos gostávamos muito e nos sentíamos em casa. Após o doutorado, fiquei por um tempo no Rio de Janeiro, mas sempre tive vontade de voltar para o DCC. Quando consegui, me reencontrei com meus antigos professores e a sensação era de estar retornando para a minha casa. Gosto muito do DCC, gostei da época que estudei no departamento e gosto de trabalhar aqui. É como uma segunda casa para mim”, falou sorridente. Segundo Prates, o DCC é um departamento de excelência em todos os sentidos. “Temos professores/pesquisadores de altíssima qualidade, competentes, preocupados e engajados tanto no avanço das pesquisas quanto do departamento. Nossos funcionários também são excelentes, o que é fundamental para que tenhamos uma infraestrutura adequada e de qualidade para o desenvolvimento do ensino e da pesquisa. Além disso, temos também alunos espetaculares. Não existe universidade sem aluno, e os nossos são de primeira qualidade. Professores, funcionários e alunos formam a comunidade DCC, e essa comunidade é a alma do DCC, formado por pessoas, todas elas competentes, focadas na melhoria do departamento como um todo e no desenvolvimento sempre”, disse orgulhosa.
Após entrar no DCC como docente, Raquel percebeu que era importante fazer parte das questões administrativas e contribuir ainda mais para o crescimento do departamento. Após dois anos como subchefe, durante a gestão com o professor Luiz Chaimowicz, Raquel percebeu que estava preparada para cooperar ainda mais com o crescimento do departamento. “Quando entrei como professora no DCC, nem pensava que participaria de algo na área administrativa. Com o passar do tempo, percebi que este envolvimento é importante e necessário para também colaborar para o crescimento do departamento. Fui subchefe com o professor Luiz e aprendi muito. Sempre soube que havia vários desafios e responsabilidades, além de inúmeras tarefas do dia a dia, mas não imaginava que fossem tantas (risos). Quando estava para finalizar a nossa gestão, percebi que poderia contribuir ainda mais, agora como chefe do departamento, e me sinto preparada após os dois anos na subchefia”, afirmou.
Segundo Raquel, quando fez a graduação havia mais meninas nas salas de aulas da área da Ciência da Computação, 25% ou mais. Para ela, infelizmente, atualmente esta realidade mudou, e as turmas têm menos meninas, chegando às vezes até a ser menos de 10% nas turmas. Desta forma, conforme Raquel, tanto ser professora/pesquisadora, como agora chefe do departamento, pode inspirar mais meninas a entrar para a área. “Quando estudei eram mais meninas nas turmas e não sei explicar porque esta realidade mudou. É muito importante termos mais meninas e diversidade em todas as áreas, também e principalmente na Computação. Estamos criando tecnologias que impactam a sociedade como um todo, e muitas vezes até moldam as coisas que estão acontecendo. Ter meninas participando desse processo é de suma importância. Espero que o fato de eu, uma mulher, ser professora/pesquisadora e agora ser a chefe de um departamento tão importante como o nosso, possa inspirar mais e mais meninas a entrar na área e descobrirem que podem chegar aonde quiserem. Gostaria muito que a realidade atual mudasse. Como professora, sempre atuei para mudar isto e, agora, na chefia, quero trabalhar ainda mais”, garantiu.
Logo que souberam da candidatura da Raquel ao cargo de chefe do DCC, a diretoria do Diretório Acadêmico dos cursos de Ciência da Computação e Sistemas de Informação (DACompSI), que tem representantes votantes nas eleições, se mobilizou e definiu que somente as estudantes votariam. Segundo a vice-presidente do Diretório, Isadora Cunha Pimentel, a escolha do DACompSI de enviar exclusivamente mulheres como representação discente na Assembleia do Departamento de Ciência da Computação foi motivada pelo apoio à candidatura da Raquel, pelo peso histórico e simbólico de ser a primeira chefia feminina do DCC, mas especialmente por acreditarem em sua capacidade enquanto gestora (“algo já comprovado em seus cargos anteriores”). “Essa indicação discente foi pensada também como uma oportunidade de dar visibilidade para as estudantes mulheres nas graduações e pós do departamento. Apesar da minoria numérica, vemos que várias dessas estudantes se destacam dentro da Universidade. Ficamos muito satisfeitos assim que os primeiros rumores da indicação da Raquel apareceram, justamente porque ela representa a força e qualidade do trabalho produzido pelas mulheres em todas as instâncias do DCC”, falou.
Ao mesmo tempo, Isadora contou que todos ficaram muito otimistas com a notícia da candidatura da professora Raquel. “A notícia também nos deixou bastante otimistas, pois o DACompSI tem discutido internamente sobre a baixa representatividade feminina nos cursos de Computação e Sistemas, assim como possíveis ações para combater os casos de assédio e violência contra mulheres que chegam até nós. Ter uma mulher na chefia do DCC não soluciona automaticamente a violência simbólica que mulheres sofrem dentro da Universidade, porém é um indicativo de avanço no acesso e reconhecimento do ótimo trabalho que mulheres têm feito dentro do departamento desde o dia em que ele foi fundado. As professoras do DCC sempre foram destaque em suas áreas de pesquisa, e vão continuar sendo por muitos anos. A confiança para exercer a administração de um dos maiores departamentos de Computação do país, vem do trabalho duro e extremamente qualificado que a Raquel prestou nos últimos anos enquanto docente, pesquisadora, coordenadora de ensino e subchefe de departamento. As mulheres sempre ocuparam o DCC, e é gratificante ver que finalmente o maior cargo administrativo do departamento vai ser chefiado por uma”, declarou empolgada.
Para a estudante de Sistemas de Informação e votante nas eleições, Karen Moura, quando se olha para o contexto de tecnologia, é indispensável falar sobre a importância da presença de figuras femininas na área. “Precisamos cada vez mais ocupar esse espaço, se faz necessário começar a falar de tecnologia sobre a perspectiva feminina, consumirmos conteúdos de outras mulheres como referência para estudos, incentivar a entrada de novas mulheres na área e apoiar as que já estão para que ocupem posições de referência e liderança. Poder votar na Raquel para chefe do Departamento de Ciência da Computação representa uma grande conquista, estamos dando um passo maior no que se refere à tecnologia na UFMG, e no Brasil. É uma forma de dizer para as meninas do curso que elas têm em quem se espelhar, e que são capazes de conquistar uma posição de liderança em qualquer área que desejarem atuar. No dia 1º de julho, a Raquel fez história ao se tornar a primeira mulher chefe do DCC. Ela mostrou que nós podemos conquistar nosso espaço, ela nos deu mais confiança para poder liderar, ela nos deu voz, ela nos deu representatividade. É reconfortante saber que a Raquel é a primeira de muitas que virão, e sei que seu legado vai ser muito além desses dois anos que vai chefiar o DCC”, disse emocionada.
Quando Raquel soube da mobilização do Diretório, ficou extremamente surpresa e grata. “Não esperava nada nesse sentido e achei muito especial. Eles decidiram dar voz às meninas e colocá-las como representantes, foi muito especial para mim. Em minha gestão penso em retomar algumas ações que ocorriam há algum tempo, como o acolhimento especial às meninas calouras e tantas outras. Com a pandemia, as coisas esfriaram um pouco. Penso não só em retomar antigas iniciativas, como criar outras para manter as meninas parte do departamento, para que se sintam acolhidas e fundamentais no DCC”, garantiu.
Com a pandemia, segundo a nova chefe do DCC, além dos desafios do dia a dia, diversos outros foram criados. “Temos diversos desafios, alguns do cotidiano, outros que se mantêm advindos da pandemia e alguns que surgem de forma até inesperada. Nosso objetivo é vencer todos, com um planejamento estratégico para curto, médio e longo prazo. Somos um departamento de excelência, respeitado nacional e internacionalmente, e queremos não só continuar assim, mas evoluir mais ainda. Por isso, nosso planejamento não é apenas para o hoje ou o amanhã, mas para onde queremos estar nos próximos dois, cinco ou dez anos. Um dos motivos que convidei o professor Heitor Ramos para a subchefia é a confiança em sua qualificação e na parceria que teremos. Vamos trabalhar tanto no nível operacional quanto no estratégico. Com a pandemia, por exemplo, uma das coisas que ocorreu foi o afastamento das pessoas. Queremos voltar com o senso de comunidade, de participação, isso em todos os níveis: alunos, funcionários e professores”, contou.
De acordo com Raquel, a gestão não é feita sozinha, mas em conjunto com a comunidade DCC. “Quem está na chefia tem o papel de guiar e coordenar, mas o departamento somos todos nós. Sendo assim, tanto os problemas do dia a dia quanto os estratégicos, para alcançarmos os objetivos de estarmos ainda melhores no futuro são de cada um: alunos, funcionários e professores. Essa caminhada não tem um ponto de chegada, pois sempre podemos avançar, mas juntos. Ao finalizarmos a nossa gestão, esperamos ter conseguido progredir nas metas do departamento, tendo clareza para onde estamos indo e caminhando a passos largos para chegarmos lá”, concluiu.