Professor do DCC/UFMG vence timidez por amor à docência

Desde 2019, Heitor Soares Ramos Filho é professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (DCC/UFMG. Antes disso, ocupou vários cargos e desempenhou diversas funções na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e no Centro Federal de Educação Tecnológica de Alagoas (CEFET/AL). Os primeiros contatos com a computação foram durante a graduação em Engenharia Elétrica, já que na época era raro alguém ter computador em casa. Quando participou de uma iniciação científica, seu orientador lhe disse que tinha aptidão para a computação. “Aquelas palavras mexeram um pouco comigo. Acabei fazendo um concurso para professor da Escola Técnica Federal de Alagoas para ensinar computação. Foi ali que tudo se intensificou. Comecei ensinando computação gráfica, que, aos meus olhos, naquela época, era matemática aplicada. Como sempre gostei muito de matemática, consegui me adaptar com facilidade. Mas o vírus da computação já tinha me infectado. A partir dali segui me especializando. Fiz uma especialização lato sensu, depois fiz mestrado em modelagem computacional e doutorado em Ciência da Computação”, contou. 

Como muitos alunos, Heitor enfrentou vários desafios enquanto estudante. Como não graduou-se em Ciência da Computação, no início algumas lacunas de formação tiveram que ser vencidas e, assim, estudava sozinho. “Devorei vários livros do curso de Ciência da Computação para melhorar minha formação na área. Depois comecei a fazer cursos, como especialização, mestrado e doutorado. Mas a área é tão fascinante que me envolvi demais, então, as lacunas foram sendo preenchidas com o passar do tempo. Sem dúvida, o doutorado consolidou tudo isso e me senti mais confortável em dizer que atuo na área”, desabafou.

Heitor é encantado pela Ciência da Computação e, para ele, foi muito marcante conhecer os fundamentos do curso. No início, começou a estudar as matérias mais aplicadas e, apenas no mestrado e no doutorado conheceu as matérias mais teóricas. “Era a base teórica que faltava para me sentir de fato da área. No início foi um pouco difícil, pois a base era um pouco diferente. Na engenharia, trabalhamos com modelos contínuos, enquanto na computação, mexemos mais com modelos discretos. Tive que me adaptar um pouco, mas foi apaixonante”, disse. Durante o doutorado, passou um período na Microsoft Research em Redmond, nos Estados Unidos, cumprindo um período de estágio através do programa “Latin America Microsoft Research Fellowship Award. “O DCC/UFMG nos proporciona coisas sensacionais. Tenho certeza de que tive esta oportunidade por estar aqui”, destacou. 

Heitor, desde que se formou, em 1997, foi professor na escola técnica. Também atuou dando consultorias no estado de Alagoas. Mas ser professor foi algo que o cativou muito. “No início eu era muito tímido, tive que romper essa barreira. Mas, depois, tudo ficou muito prazeroso. A independência que temos para escolher temas de pesquisa é algo que é difícil de encontrar em outra profissão. Isso é muito gratificante”, relatou. Heitor teve como inspiração os excelentes professores da graduação. Segundo ele, havia alguns que nunca tinham tempo para nada e não eram tão bons assim, o que entende hoje, vivenciando toda a pressão que os professores sofrem para conciliar as carreiras de docente e de pesquisador. “Tento fazer com que a falta de tempo não interfira muito na minha atuação em sala de aula. Quando fiz graduação, não entendia como um professor/pesquisador, com doutorado e carreira internacional, pudesse dar aulas ruins. Então, tento me inspirar nos que conseguiam conciliar boas aulas e uma carreira científica sólida. Tive vários professores assim, eles me inspiram até hoje”, falou.

Muito dedicado à carreira de docente, Heitor tenta sempre ser justo com os alunos, além de pontual e assíduo, passando o conteúdo da melhor forma possível. Mas, segundo ele, para ser justo com todos, acaba sendo um pouco rigoroso. “Não adio compromissos, não dou pontos de graça. Tento fazer avaliações amplas que envolvam várias habilidades que julgo importantes para os profissionais de computação. Sou cordial e mantenho uma relação muito respeitosa com todos os alunos. Pratico a empatia, mas não abro mão de exigir que todos finalizem as disciplinas com o conhecimento necessário para dar continuidade à formação”, descreveu.

No DCC/UFMG, o professor já ensinou redes de computadores e, agora, ensina PDS-I. Essa disciplina é, em geral, o primeiro contato dos alunos com o mundo da programação de computadores. “Acredito que quem ensina essa disciplina carrega uma grande responsabilidade. Procuro introduzir conceitos teóricos através de atividades práticas”, ressaltou. 

Heitor optou por trabalhar com a pesquisa em busca de independência de atuação, já que, segundo ele, não seria possível encontrar no mercado de trabalho. “Tive diversos contatos com empresas e com o mercado de trabalho. Em 2003, quase desisti da área acadêmica para ir trabalhar em uma empresa de tecnologia. Recebi proposta, mas acabei recusando. Em 2006, passei por isso novamente. O principal ponto foi essa independência de fazer o que acredito”, destacou. O docente gosta de fazer pesquisas com o caráter interdisciplinar, mas sem perder o rigor da área em que atua. Atualmente trabalha com análise de dados coletados em ambientes inteligentes, principalmente através de dispositivos de IoT. Apesar de sempre ter motivação em aplicações, muitas vezes interdisciplinares, Heitor não abre mão de pesquisas que avancem o estado da arte na área de computação.

Atualmente, segundo o professor, vários setores da sociedade instrumentalizam as formas de atuação implantando mecanismos de coleta de dados. Dessa maneira, coletamos uma quantidade gigantesca de dados, entretanto, ainda não aproveitamos todo o potencial que esses dados fornecem para aumentar o entendimento da atuação humana na sociedade. “O principal objetivo da minha pesquisa é avançar o estado da arte da área de análise de dados heterogêneos coletados em ambientes inteligentes. Isso significa que busco propor novos métodos de análise de dados que viabilizem a utilização desse grande volume de dados coletados para trazer benefícios para a sociedade. Minha área de pesquisa proporciona o surgimento de novas aplicações. Os métodos que são desenvolvidos são úteis para análise de dados médicos, cidades inteligentes, prédios inteligentes e mobilidade urbana, dentre outras áreas. Como são métodos de análise de dados, essas pesquisas têm potencial de serem aplicadas em diversas áreas”, enfatizou.

Casado com Karina e pai de um casal de gêmeos, de 5 anos, Heitor e Gabriela, o professor adora ficar com a família. Apesar de muitos acreditarem que foi ele quem escolheu o nome do filho, quando descobriram que eram gêmeos, sua esposa foi categórica com os nomes e ele apenas concordou. Quando pode, o professor gosta de viajar e também ama música. “Já toquei guitarra em uma banda, era de pouco talento, mas de muito bom gosto. Também gosto de ler. Minha última leitura foi “Como as democracias morrem”, que apesar de ter sido lançada em 2018, só o li em 2022. A próxima será “The book of why””, disse. 

Heitor foi professor do também docente do DCC/UFMG João Guilherme Maia de Menezes. Segundo João, Heitor não gosta que ele fale isso, pois o faz se sentir velho (risos), mas eles se conheceram quando João Guilherme ainda era aluno de graduação na Universidade Federal de Alagoas e Heitor lecionava a disciplina de Redes de Computadores. “Heitor foi de longe o melhor professor que tive na graduação, sempre comprometido, com aulas engajadoras e muito domínio do conteúdo. A experiência na disciplina foi tão inspiradora que, em 2008, optei por iniciar um mestrado em Redes de Computadores no DCC/UFMG, sob orientação do professor Antonio Alfredo Ferreira Loureiro. Isso ocorreu exatamente no mesmo momento em que o Heitor decidiu fazer doutorado, também no DCC/UFMG, sob orientação do Loureiro. Começamos a frequentar o mesmo Laboratório e nossa relação mudou de aluno/professor para uma relação de amizade. Vivenciamos muitas coisas. São muitas as histórias, inclusive, conheci minha esposa graças ao Heitor, ou seja, o cara também tem o talento para cupido (risos). Enfim, posso dizer que acompanhei de perto uma parte significativa da trajetória profissional do Heitor, trajetória essa que foi marcada por muita dedicação, integridade e muito amor pela profissão. Dizem que os melhores professores são aqueles que nos inspiram. Heitor foi esse professor para mim”, falou emocionado.

Já o professor Daniel Fernandes Macedo, ressaltou a seriedade e a personalidade do Heitor que, segundo ele, é daqueles que “tarefa dada é tarefa cumprida”. “Conheci o Heitor quando ele ainda era aluno do doutorado e eu havia acabado de entrar para o DCC/UFMG. Me lembro que o grupo do Laboratório ao qual o Heitor fazia parte era muito unido. Para continuar o doutorado, ele iria para o Canadá. Marcamos uma festa de despedida para ele em uma boate. Todos se divertindo, o tempo passando e nada do Heitor chegar. Até que um dos colegas nos chama dizendo que o Heitor havia mandado uma mensagem dizendo que não poderia comparecer, pois havia acabado de receber uma revisão do artigo que iria submeter em uma conferência e tinha que fazer as devidas correções. Aí ficamos nós, nos despedindo do Heitor, sem a presença dele (risos). Como era o último final de semana antes de viajar, não o vimos mais e não pudemos fazer um outro encontro de despedida. Ele é assim. Queria entregar o melhor trabalho possível na conferência e priorizou. Missão dada é missão cumprida sempre pra ele, independente do que for”, relatou.

Durante o bate-papo que a comunicação do DCC/UFMG teve com o professor, ele também ressaltou os desafios da pesquisa, a importância dos pesquisadores e como, em sua opinião, devem ser, além de falar sobre os alunos e o Departamento. Veja abaixo:

Qual o maior desafio para realizar suas pesquisas?

Atualmente estamos passando por diversos desafios, desde a falta de investimento até a falta de recursos humanos. Esses são os maiores desafios atuais, ao meu ver. Além disso, como estamos em um país com baixo investimento em pesquisa, precisamos encontrar temas de pesquisa em que essa falta de recursos exerça menor impacto nos nossos trabalhos. É bem desafiador.

O que em sua opinião não pode faltar em um pesquisador? Por que?

O pesquisador tem que ser curioso, criativo, questionador e disciplinado. Antes de mais nada, o pesquisador precisa ter curiosidade científica para abordar temas em aberto. Não é qualquer curiosidade, a curiosidade científica exige que seja feito levantamento bibliográfico e entendimento do que já existe, não é uma coisa desordenada, há método. Não se pode questionar por questionar. Ou seja, é obrigação de qualquer pesquisador entender o que já foi feito em sua área. Daí surgem os questionamentos novos, os espaços para novas proposições.  Não se pode simplesmente aceitar tudo o que já está posto, mas não podemos questionar por ignorância. O mundo científico exige método e disciplina para que nossos questionamentos sejam adequados e para que alcancemos  os resultados que sejam reprodutíveis e relevantes. 

Como vê os alunos do DCC?

O DCC tem ótimos alunos, sem dúvida estão entre os melhores alunos do país, senão do mundo. O DCC não atingiria excelência se isso não fosse verdade.

O que não pode faltar em um aluno do DCC? Seja aquele que deseja ingressar na pesquisa ou no mercado de trabalho.

Acredito que tanto para uma carreira acadêmica quanto para o mercado de trabalho, o profissional tem que ter compromisso, independência técnica e zelo com seu trabalho. Um conselho que sempre dou para os meus alunos é fazer o trabalho da melhor maneira possível, mesmo que esteja com raiva do chefe ou da empresa em que trabalha. Afinal, o compromisso é, antes de mais nada, com você.

O que representa o DCC, como estudante, profissionalmente e, até mesmo, no campo pessoal?

Fui estudante apenas do doutorado do DCC. Acredito que o Departamento moldou minha carreira profissional, pois foi aqui que tive meus melhores momentos de formação profissional. Foi aqui que fui apresentado às melhores oportunidades da minha carreira. Não é à toa que eu voltei para cá 🙂

Como você define o DCC?

Um ambiente de trabalho extremamente produtivo, mas também receptivo e leal. 

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