Artigo de autoria dos professores Virgílio Almeida (DCC/UFMG) e Francisco Gaetani (EBAPE/FGV) é publicado no Valor Global, leia abaixo o texto completo:
Francisco Gaetani1 e Virgílio Almeida2
1 Francisco Gaetani é professor da EBAPE/FGV e Secretário Extraordinário para a Transformação do Estado, do Ministério de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
2 Virgilio Almeida é professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard, professor emérito da UFMG e ex-secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação.
O futuro digital e a preocupação com a emergência climática são objetos de atenção de todos países e sociedades contemporâneas. A sobreposição destas duas temáticas abre possibilidades instigantes, em especial para o Brasil, dada a centralidade da posição do país no debate global sobre mudança climática. Uma pergunta, aparentemente simples, que se coloca no momento é “de que forma o rápido avanço das tecnologias de inteligência artificial (IA) pode acelerar o progresso do Brasil rumo a objetivos de desenvolvimento pautados pela sustentabilidade?” Se a IA é uma tecnologia de uso geral, com possibilidades de transformar significativamente os resultados econômicos e sociais em diversas áreas, por que não canalizar esse potencial para atingir objetivos relacionados aos objetivos de desenvolvimento sustentável (DOS), especialmente no enfrentamento do desafio das mudanças climáticas no Brasil? A resposta, no entanto, é mais complexa. O crescente uso da IA em diversos setores da economia pode gerar tanto impactos positivos quanto negativos no cômputo do balanço da agenda de desenvolvimento sustentável. O desafio do país é aproveitar as oportunidades do avanço tecnológico, minimizando seus efeitos negativos. O objetivo é assegurar uma governança da IA em benefício do interesse público, promovendo o respeito à diversidade ambiental e cultural, além de apoiar o desenvolvimento sustentável. Para isso, é necessário criar políticas públicas que orientem o uso da IA alinhado aos objetivos do desenvolvimento sustentável, dentro do roteiro para a Agenda 2030, abalado pelos acontecimentos da última década, mas ainda assim a plataforma que dispomos na trajetória para um futuro comum.
A automação ajuda a evitar redundâncias desnecessárias, desperdícios de energia e emissões evitáveis na indústria e na agricultura. Estudos e experiências têm sido publicados mostrando que os usos de IA podem ajudar a reduzir o uso de pesticidas, fertilizantes e água, auxiliar no controle de ervas daninhas, promover o bem-estar animal e identificar doenças nas colheitas. Relatórios da Comissão Europeia mostram um simples exemplo, onde os termostatos inteligentes baseados em dados e algoritmos, puderam reduzir as contas de energia em até 25% ao analisar os hábitos das pessoas que vivem na casa e ajustar a temperatura de acordo. A IA já está sendo utilizada para prever padrões climáticos e eventos extremos, aumentar a produtividade agrícola, reduzir o consumo de água e otimizar sistemas de energia renovável. Massas significativas de dados, como imagens de satélite, algoritmos de IA e tecnologias de monitoramento e previsão, são fundamentais nos esforços de conservação da biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas.
A IA pode também acarretar impactos negativos, tanto sociais quanto ambientais. Entre as preocupações principais estão as quantidades excessivas de eletricidade e água necessários para operar os datacenters usados no processamento e treinamento de grandes volumes de dados. Como todas as tecnologias, a evolução da IA se beneficiaria de uma reflexão permanente sobre os termos e rumos de seu desenvolvimento. Sua regulação é um princípio chave a ser considerado neste esforço, caso se pretenda que a IA priorize o bem-estar social e humano.
O chamado “princípio da precaução’’, quando bem aplicado, é uma prática recomendada para determinados contextos. Nesse sentido, é crucial desenvolver mecanismos que limitem as externalidades (inclusive ambientais) negativas associadas à inteligência artificial (IA), sem prejuízo do incentivo à experimentação e inovação. Apesar de seu imenso potencial, a IA exige a implementação de “guardrails” (salvaguardas) para que seus benefícios superem os possíveis impactos negativos. Essas medidas visam proteger a segurança, a privacidade dos cidadãos e o meio ambiente, além de evitar abusos. As salvaguardas são respostas normativas específicas para lidar com desafios de governança e têm sido aplicadas em contextos que envolvem a exploração de recursos naturais. Elas estabelecem limites quantitativamente mensuráveis para níveis de dano, além dos quais os problemas ambientais decorrentes do uso dos recursos naturais se tornam insustentáveis e intoleráveis.
A IA necessita de entendimento, regulamentação e governança. A governança precisa refletir as qualidades específicas do mundo que se deseja moldar, o futuro que projetamos e ao qual aspiramos. O desafio do equilíbrio do desenvolvimento da IA é importante para as discussões gerais sobre a regulação do seu uso. Em relação à sustentabilidade ambiental, o foco principal no momento deve ser nos “stakeholders’’, formuladores de políticas públicas, tomadores de decisão e seus implementadores. Poucos temas são tão críticos hoje como a necessidade de tecnologias, incluindo a IA, que permitam a redução de emissões, sequestro de carbono e melhoria da eficiência do consumo de energia
O Brasil está ocupando um lugar singular no calendário da agenda de desenvolvimento. Até novembro coordena o G20. No final do ano assume a presidência do BRICS+. O ano de 2025 será marcado pelas negociações preparatórias para a COP-30, que tratará dos compromissos nacionais e globais relacionados com a mudança climática. Introduzir a discussão da IA no caminho crítico das decisões afetas à emergência climática pode trazer enormes benefícios às duas agendas. O Brasil, no contexto tanto do G20 quanto da COP30, tem a oportunidade de propor marcos de governança adequados para o tratamento destes temas, visando garantir os plenos benefícios da IA sob as perspectivas social, econômica e ambiental. A canalização da atenção, dos recursos, da criatividade, da energia e dos esforços nacionais para esta agenda é uma oportunidade extraordinária do país potencializar os ganhos que tem alcançado na conjuntura presente – crescimento significativo e desemprego cadente – e para contribuir para o esforço global rumo à construção de um futuro melhor.