Em artigo, pesquisadores do DCC descrevem falhas na aplicação da política europeia do esquecimento na web

Com o aumento da importância da internet na vida contemporânea, cresce o debate sobre a preservação dos dados e informações pessoais disponíveis na rede mundial de computadores. Para regular a privacidade dos usuários, surgiu a “política do esquecimento”, expressão que se refere às medidas que buscam garantir o direito à privacidade no ambiente da web.

No artigo The right to be forgotten in the media: a data-driven study, publicado neste mês na revista Proceedings on Privacy Enhancing Technologies, o professor Virgílio Almeida, do Departamento de Ciência da Computação do ICEx, os estudantes-pesquisadores Gabriel Magno e Evandro Cunha, ambos da UFMG, e o professor Keith Ross, da New York University, dos Estados Unidos e de Xangai, na China, desenvolveram análises quantitativas com o intuito de compreender a eficiência da política do esquecimento na União Europeia (UE).

Por meio de algoritmos de cruzamento de dados, o grupo analisou 283 links que, após solicitação das pessoas citadas nos textos, foram retirados dos resultados de busca do Google britânico.

No entanto, ao analisar o resultado da varredura, eles conseguiram identificar a citação de 80 pessoas em 103 artigos jornalísticos, o que foi encarado como falha no modo de se aplicar a política do esquecimento na União Europeia. “Essa falha ficou evidente porque o algoritmo usado na análise foi capaz de descobrir nomes de pessoas que solicitaram o esquecimento”, afirma Virgílio.

Segundo ele, a política de esquecimento no continente, baseada na Lei de Proteção de Dados da UE, determina que o conteúdo não apareça nos resultados de busca quando associado a uma pessoa, embora continue publicado, seja em um site noticioso ou em uma rede social. “Como vivemos em um universo de informações, a maneira de encontrá-las é por meio da busca, e a política europeia do esquecimento dificulta a procura daquela informação específica”, afirma.

Para Virgílio Almeida, o diferencial do trabalho é exatamente o algoritmo usado na análise, pois comprova que um ataque a informações na internet é capaz de expor pessoas que solicitaram o direito ao esquecimento. Essa fragilidade, inclusive, foi destacada em reportagem publicada pelo jornal The New York Times. “Assim, uma política que se destina a proteger a privacidade acaba produzindo efeito oposto, caso os resultados de um ataque venham a aparecer na imprensa”, argumenta o professor.

A análise, que compreendeu o período de maio de 2014 a dezembro de 2015, foi feita com base em textos publicados nos jornais The Guardian, The Telegraph, Daily Mail e no site da BBC.

“Se mesmo com a retirada dos links das páginas de busca, ainda é possível descobrir a identidade das pessoas citadas no texto, isso indica que a política está sendo falha, pois deveria prever que determinado nome não mais fosse associado a algum assunto”, afirma Virgílio, que passa uma temporada como professor visitante na Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas da Universidade de Harvard, em Boston.

Requisitos
Em vigor desde 2014, a política do esquecimento possibilita que moradores de países da União Europeia solicitem ao Google a remoção de links de páginas da internet que lhes façam referência nos resultados das buscas, desde que a matéria preencha os requisitos de inadequação, irrelevância ou excesso. Quando se referem a personalidades ou a figuras públicas, as páginas não podem ser omitidas dos resultados de busca, mesmo com o preenchimento desses requisitos.

Virgílio Almeida avalia que o direito previsto pela política do esquecimento é válido, uma vez que referências a acontecimentos passados podem atrapalhar a vida das pessoas. “Alguém que cometeu um crime no passado, mas que já cumpriu a pena, tem o direito de não mais ver seu nome associado àquele fato nas buscas do Google. Se esse direito não for assegurado, essa pessoa pode ser impedida de levar uma vida normal mesmo depois de ter pagado sua dívida com a justiça e com a sociedade”, argumenta o pesquisador.

Ele destaca que, em um mundo cibernético, no qual as pessoas se expõem cada vez mais, a privacidade é um direito cada vez mais valorizado. “Esse tipo de política é importante para a sociedade porque o ciberespaço faz parte da vida do cidadão. Nosso estudo ajuda a fornecer análises fundamentadas que poderão subsidiar a atuação de legisladores”, analisa.

Quando uma pessoa consegue a retirada das páginas do ar, o Google avisa ao site responsável pela publicação que aquele conteúdo não vai mais aparecer em seu sistema de buscas. Alguns sites de notícias, como BBC, The Independent e The Guardian, da Inglaterra, notificam os seus leitores que tais documentos não podem mais ser acessados.

Tensão
Qualquer cidadão da União Europeia pode solicitar que algum link que faça referência a um momento da sua vida seja retirado da página de resultados dos sites de busca. A pesquisa mostrou que as matérias cujas retiradas foram solicitadas tinham cunho sexual ou tratavam de assuntos relacionados a assassinatos, corrupção, conduta financeira inadequada, pedofilia, terrorismo, drogas e prostituição, entre outros assuntos.

A política do esquecimento surgiu na União Europeia em 2014, em resposta ao pedido de um cidadão espanhol que solicitou ao Google a supressão das referências a um episódio de financiamento de um imóvel que não havia sido quitado. Naquela época, a corte europeia obrigou o Google a apagar todas as referências ao caso. Desde a decisão pioneira que favoreceu o cidadão espanhol, mais de 1,5 milhão de solicitações chegaram à Justiça europeia.

Nos Estados Unidos, sede do Google, maior empresa de busca de conteúdos on-line, o direito ao esquecimento não é regulamentado, porque, no entender da Justiça norte-americana, conflita com a chamada primeira emenda da Constituição, que veda qualquer restrição à livre expressão e à liberdade de imprensa.

Europeus e norte-americanos, conta Virgílio Almeida, divergem sobre a questão. “A Lei do Direito ao Esquecimento é um ponto de tensão entre a Europa e as grandes empresas de tecnologia americanas, como a Google, a Microsoft e o Facebook. A França, por exemplo, quer que a política de esquecimento definida pela União Europeia se aplique ao mundo inteiro, e o Google resiste a essa proposta, alegando que se trata de uma política nacional ou regional e não global”, esclarece o professor da UFMG.

No Brasil, o Marco Civil da Internet (Lei Federal 12.965, de 23 de abril de 2014) prevê garantias, direitos e deveres para o uso da internet do país, mas não existe jurisprudência definida para casos de solicitação de retirada de conteúdos na internet.

Motivos que resultaram em solicitações de remoção de resultados de busca no Google à luz da política do esquecimento da União Europeia

Assédio sexual – 27
Agressão – 25
Assassinato – 23
Má conduta financeira – 19
Pedofilia – 14
Terrorismo – 14
Saúde – 14
Outros motivos de natureza sexual – 12
Acidente em rodovia – 11
Drogas – 10
Desaparecimento – 9
Furto – 9
Prostituição – 8
Espionagem – 8
Dirigir sob o efeito de álcool – 7
Divórcios – 6
Outras motivações – 62
Conteúdos não textuais (imagens e vídeos) que se deseja esquecer – 5
Total: 283

Artigo:The right to be forgotten in the media: a data-driven study
Autores:Gabriel Magno, Evandro Cunha e Virgilio Almeida, da UFMG, e Keith W. Ross, da New York University / NYU Shanghai.

(Luana Macieira)

Acesso por PERFIL

Pular para o conteúdo